Cineclube Bixiga

Cineclube Bixiga, Um Divisor de Águas


O cineclube Bixiga foi, historicamente, uma decisão da Jornada de Campo Grande, 1981. A decisão de criar uma sala naquelas condições aconteceu, de fato, numa segunda-feira chuvosa, numa cabine de projeção de um metro de altura, onde estavam Diogo Gomes dos Santos e António de Gouveia Jr. Após projeção do filme “O Homem Que Virou Suco” de João Batista de Andrade, no Lira Paulistana, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, São Paulo, decidimos que iríamos procurar um local para abrigar um cineclube do "tamanho" de São Paulo. Bairros prioritários: Vila Madalena e Bexiga, nesta ordem. Encontrada a sala possível, fez-se à reunião na casa do Felipe Macedo. Estivemos na referida casa, naquela reunião e, lá, o plano de como seria o Cineclube Bixiga foi exposto.



Estava na primeira sessão como projecionista, junto com o Alison, filho do seu Orion, fabricante dos projetores “Incol” e “Triunpho”. Da última sessão do Bixiga, por opção, projetei o último filme: "Crônica de um Amor Louco" de Marco Ferri, baseado na obra de Charles Bukowsk.

Voltando um pouco no tempo, o cineclube Bixiga começa a ser gestado a partir das experiências dos Cineclubes do Sindicato dos Jornalistas, da GV (Fundação Getúlio Vargas), do 25 de Abril, do Grupo Cineclubista Tietê Tietê, do Cineclube Cauim de Ribeirão Preto, do Cineclube Planetário de São José dos Campos e tantos outros da periferia e do interior. Estávamos no Cineclube do Sindicato dos Jornalistas, António de Gouveia Jr. e Diogo Gomes dos Santos, quando lançamos o filme “Greve”, de João Batista de Andrade (saímos na noite anterior para pregar os cartazes do filme por toda a cidade, juntos foram também, Marcos Azevedo Souza, Sérgio Roizmam, Eduardo Paes/Carioca, todos no FIAT 147, vermelho, do Gouveia) e depois do “Greve”,  "Anarquismo no Brasil", programa composto por dois filmes: "Teatro Anarquista" de Claúdio Kahns e "Libertários" de Eduardo Escorel; "Jari" de Jorge Bodansky e vários outros. Isso gerou na classe cinematográfica um certo “frisson”. Passamos (os cineclubes) a sermos vistos como “mercado alternativo ou paralelo”. O Cineclube Bixiga surge dentro desta perspectiva. Ser uma sala para lançarmos prioritariamente os filmes de "mercado cultural", distribuídos pela Dinafilme. Quando ele fechou, a razão principal de sua existência não tinha sido resolvido, pelo contrário, foi ampliada.

As questões geradas pelo Bixiga foram basicamente, duas: 1) ser de fato uma tela que privilegiasse o filme brasileiro. As possibilidades que o Bixiga demonstrou criaram nova demanda, a do “Cinema Brasileiro” - a imensa maioria dos filmes lançados pelo Bixiga, foi de filmes feitos para o “mercado comercial”. Os filmes do “mercado alternativo ou paralelo”, lançados lá, foram muito poucos. Um filme como, por exemplo, “Fé na Caminhada” do Pe. Conrad, produzido pela Verbo Filmes, só foi lançado no Bixiga porque foi feito em 35mm. A questão, lá, para este tipo de filme, ficou meio reduzida a questão da bitola. Tudo isso serviu para que a segunda questão viesse à baila: A profissionalização. O Bixiga não encarou esta questão como ela exigia. Dessa questão veio a cisão que resultou na criação do Cineclube Oscarito e pelo visto, lá também a questão da profissionalização não foi resolvida. Como então, o Cineclube Estação Botafogo do Rio de Janeiro, que surgiu depois, a resolveu? Quem criou o Estação? O mesmo Adhemar Oliveira que trabalhou conosco no Bixiga e não tinha os vícios que nós, cineclubistas, tínhamos. A questão básica, sem querer reduzi-la era: No Bixiga, eramos militantes, tínhamos o filme como ferramenta de discussão da sociedade; no Estação, o filme era um instrumento de discussão do cinema na sociedade.

O Bixiga continua vivo na memória de seus espectadores, mais do que qualquer outra experiência cineclubista brasileira, simplesmente porque ele apontou um caminho, viável, que foi aproveitado com outro viés, deixando aberto o caminho principal, mas este sem transito. Vide por exemplo, os projetos do governo, via ANCINE (Cinema perto de você e Cinema da Cidade). Por isso o Bixiga continua referência. A questão posta na prática por ele, pode ser medida com o volumoso número de filmes brasileiros que estão nas prateleiras da distribuidoras, aguardando uma vaga na agenda para ser lançado e nos filmes que sequer tem distribuidora. Hoje tem gente propondo projeto para distribuir filmes gratuitamente, por meio da Lei de Incentivo Fiscal. O Cineclube Bixiga em comparação com os demais pode ser visto desta maneira: Garrincha na memória dos torcedores é alegre, divertido, é genial, é amado. Pelé continua “Rei”, mas quem é amado é Garrincha. O Espaço Unibanco de Cinema é nos tempos atuais, o sexto maior exibidor do país, o Bellas Artes, um ícone cultural da cidade. Mas a referência ainda é o Bixiga. O Bixga fechou no limite máximo de sua função histórica. Cumpriu sua missão. Fechou? Viva o Bixiga!

Diogo Gomes dos Santos