Entrevista para DIADEMA Cinquentenária

Entrevista para Márcia Correia, revista do Ponto de Cultural - comemorativa do Cinqüentenário de Emancipação política de Diadema – Audiovisual.



Auditório da UFBA - Universidade Federal da Bahia, formatura de sua segunda filha: Juliana Araújo

Fale sobre sua vida (onde nasceu, quantos anos tem, vim ao mundo no dia 25 de setembro de 1952, no vilarejo de Mato do Bom Jesus, Distrito de Brotas de Macaúbas/BA. onde morou/mora, os primeiros anos vive na Mata, depois nossa família mudou para um lugarejo chamado de “Pripiri” (Peri-Peri). Eram quatro famílias no início – meus avós maternos e mais duas família de primos – o lugar cresceu tanto que chegou a ter oito casa. Ficamos aí por mais ou menos 10 anos.

Meu pai era negociante, sanfoneiro, violeiro, cantador, campeão de Dama, descarregava o tambor de um revólver no mesmo lugar – diz a lenda. Cachaça, ele não bebia, comia com farinha. Devo ter irmãos pelo mundo que ainda não conheço. Meu pai tinha uma mula chamada “Sussena”, tão famosa quanto ele na região. Quando ele caia de bêbado, ninguém chega perto, a mula não deixava.

Tínhamos a melhor casa de farinha da região e um vaqueiro chamado Durvalino, um negro que sempre foi mais irmão do que vaqueiro, é da família. Desse tempo guardo boas lembranças. Dos oito aos dez anos, aprendi trabalhar a terra. Por isso digo sempre, sou acima de tudo um sertanejo. Até hoje ainda consigo, por exemplo, observando o tempo, saber se vai chover, se vai fazer sol, fazer frio, se vai esfriar ou esquentar, etc.

Qual sua formação? Alfabetizei-me dos 13 para 14 anos, tempo em que fui registrado e quando usei pela primeira vez um calçado fechado, um tênis Conga. Estudei em Colégio Salesiano, interno, queria ser padre... Hoje sou historiador e na prática aprendi fazer cinema na “Boca do Lixo” em São Paulo, ao mesmo tempo em que entrei para o cineclubismo. Neste tempo fiz 10 anos de capoeira, onde aprendi muito. De onde são seus pais, os dois são de Brotas de Macaúbas/Bahia.  Quantos irmãos têm etc... Com meu pai e minha mãe éramos 11, dois morram, hoje somos nove, mais três que conheço por parte de pai.

Quais eram seus interesses na época da escola? Você pensava em seguir qual profissão? Ainda no “Pripiri”, queria ser vaqueiro, depois Padre. A vida me fez operário gráfico. Depois, dono da minha razão, me fiz capoeirista, cineclubista, historiador, mas vivo do que gosto, cinema, sou cineasta!

Como você descobriu que queria fazer cinema?
Quando criança chegou a minha mão uma foto tirada por uma tia, irmã da minha mãe, que tinha voltado ao “Pripiri” – Tia Clarice – ela tirou uma foto P&B de um garoto, pés descalços, vestido com um calção, cabelo com topete na frente, segurando um jegue, tendo ao fundo uma cerca de pau-a-pique e a aridez da caatinga ao fundo. Só me livrei dos efeitos dessa imagem – se é que livrei... -. Quando cheguei a São Paulo, final de 1969 e logo em seguida, comecei a ver uma novela chamada “Irmão Coragem”, onde o protagonista era um garimpeiro de diamantes. Quando retiramos, da Bahia, Ibotirama, fomos para Barra do Garça, Mato-Grosso, atrás do meu pai. Ele havia perdido tudo e recuperado seus prejuízos em seis meses no garimpo. Quando vimos para São Paulo, ele ficou, sonhando com o brilho de uma pepita que sairia da terra. Não pode deixar seu sonho e vir conosco. Se junta a isso, minhas idas ao cinema levado por um amigo, Aliomar. Daí veio o gosto pelo cinema.


Uma das cápsulas da metralhadora que fuzilou, quando ainda se encontrava deitado, o Capitão Carlos Lamarca, 17.09.1971, Pintada, distrito de Ipupiara/Ba, recolhida por Vanderlino, morador da localidade. 

Como foi viver na época da ditadura? Como era a cultura naquele tempo?
Tomei conhecimento dela, quando entrei para um grupo de teatro amador. Ensaiávamos na Academia de Capoeira “Capitães D’Areia”. Nosso orientador, Magno Francisco, era muito politizado e aos poucos fui comparando as discussões que tínhamos no grupo, as leituras dos textos de teatro, as músicas e as atividades que o pessoal do grupo freqüentavam, que eram muito diferentes das minhas. Eu era operário, praticamente não tinha vida social, não sabia sequer dançar. Minha diversão era ver televisão, jogar sinuca, vez ou outra uma pelada e duas vezes por mês, ia com amigos na “zona do meretrício”.

Por influência do grupo, passei a ir ao teatro (Aliomar era do grupo de teatro), ir ao cinema, aos shows músicas. Por outro lado, o mestre de capoeira, também era muito especial, ele havia criado um método, uma filosofia de ensino da capoeiragem, a partir do romance homônimo de Jorge amado. “Ele foi, na infância, em Salvador um “Capitão D” Areia”. Ao ensina um movimento do jogo da capoeira, ele comparava com alguma situação real da vida. Isso possibilitava entendimento e comparação com outras coisas.
A academia era também um “Centro de Cultura Popular”, toda uma geração de cantores passaram por lá: Décio Marques, Saulo Laranjeiras, Gonzaquinha, Fagner, Belchior, Dinho Nascimento, Toninho Macedo - e tanto outros, além de atores, atrizes, diretores de cinema, estudantes da PUC e USP. Geraldo Vandré freqüentava as rodas de capoeira e vez ou outra assistia às sessões do cineclube.
Mas a ficha caiu mesmo, quando fui trabalhar na Dinafilmes – Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes, que funcionava na Rua do Triunfo, na mesma seda da Federação Paulista e do Conselho Nacional de Cineclubes. Ali foi possível conhecer e “com-viver” com o mundo do cinema, com o pessoal da “Boca”, ao pessoal da Vila Madalena, com os críticos de cinema. Quando, um belo dia, a polícia Federal invadiu a sede da Dinafilmes e levou tudo, mais de 160 cópias de filmes de 16 e 35mm.
Em meio a tudo isso, eu viva num misto de pré-revolução e ingenuidade, fazia e falava coisa, que uma pessoa de bom senso, na época, não falasse. Até então, não tinha consciência plena do risco que corria. Minha ficha no DOPS diz que sou “agitador comunista”.  Afinal, fomos pra rua gritar contra o regime, contra a censura, passar filmes proibidos nas universidades, nas greves dentro das fábricas e logo depois nos sindicatos, igrejas, nos muros, nas ruas, na cidade, no campo...
Nós tínhamos sonhos, dentro dos nossos espaços, nossas atitudes eram de plena liberdade. Fora, tínhamos a repressão. O que fazíamos tinha um sentido. Não tínhamos a AIDS, fazíamos o que fazíamos porque acreditávamos que viveríamos num país livre. O que fazíamos tinha ética, moral, tinha valores pátrios, familiares. A construção de uma sociedade mais justa e humana permeava nossas ações.

O que você acha da arte “politizada” dessa época?
Nós fez viver. Refaço a frase: Fez-me viver! Aquele era o momento do combate, do compromisso social com sentido de cidadania e de nação. O inimigo estava presente no cotidiano, não era subjetivo. Hoje, com o devido distanciamento, é possível fazer várias considerações, rever. A palavra solta, própria da época, marcou um tempo. Hoje, ao escrevê-la, posso refazê-la antes que você a leia. Ela passa ao espaço da memória. E o que é a memória se não as lembranças daquilo que gostaria de ter sido. Não quero que volte, mas Valeu!


Cineclube Carlos Lamarca, criado por Roque dos Santos, em Brotas de Macaúbas/Ba, município onde nasceu Zequinha Barreto, do qual pertence a comunidade do Buriti Cristalino, local da base guerrilheira.

Com quem você começou fazendo cinema?
Na frente da lente, com João Batista de Andrade, Alain Fresnot, Hilda Machado e por trás das câmeras com Ozualdo R. Candeias, Denoy de Oliveira, Nilson Araújo, Wagner Carvalho, Adilson Ruiz, entre outros

Qual a sua relação com a cidade de Diadema?
Trabalhei em Diadema na gestão Gilson Menezes e José di Fellipe Registro que na gestão Gilson, tive o melhor contrato de trabalho como artista. Vim para Diadema, depois que passei numa seleção para oficineiros de vídeo, que sempre fiz questão de nominar de Cinema e Vídeo. Marta de Bethânia era a Diretora de Cultura. Na gestão Felippe, a Diretora era a Sueli Shan e depois José Tadeu Mota. Apesar de certa confusão/indefinição com a função, desde a gestão Bethânia, fiz também Assessoria da linguagem. Na gestão Sueli as Assessorias tomaram um sentido com objetivos definidos e claros.

Em função da atividade, difícil não se envolver com os agentes da cidade, sua história, seu fazer cidadão. A lida do trabalho te empurra para as histórias das vidas privadas, aí você se envolve emocionalmente, já que o compromisso político é anterior. Claro que as tensões sempre fizeram parte do processo de trabalho. A maneira como a cultura era tratada pelo erário público, era merecedora dos melhores adjetivos de qualidade. Portanto, a relação que se estabeleceu é mais que político, é cultural. Em Diadema nos fizemos parte de um processo histórico riquíssimos, criamos produtos e valores culturais, ficaram as marcas que sobrevivem até hoje. O que era uma atividade de sensibilização, hoje concretamente se traduz em formação de mão de obra qualificada, em pesquisa técnica, cientifica, em geração de emprego e renda.

Com a criação do Núcleo de Estudos, Produção e Difusão de Cinema & Vídeo “Com-Olhar”, depois de toda a produção realizada, tanto no campo material como imaterial, a cidade poderia estar inserida com mais vigor no campo da economia do Cinema e do Audiovisual Brasileiro.

Como surgiu o Núcleo Com-Olhar?
Da vontade das pessoas de continuarem estudando, produzindo e difundindo o cinema e o vídeo. Normalmente em qualquer instituição, depois de uma oficina de Cinema e Vídeo, surge sempre a mesma pergunta e agora? As pessoas não tem oportunidade de continuarem estudando...  Diadema foi uma das cidades onde já trabalhei que aceitou a idéia de prosseguir oferecendo a seus munícipes a oportunidade de continuarem estudando. Como na cidade a demanda para esta linguagem era e acredito, continua sendo justificável, o surgimento do Núcleo foi conseqüência.

Qual a importância de um trabalho em grupo no cinema? O que você aprendeu com esses trabalhos?
O trabalho em cinema e com o audiovisual é essencialmente coletivo. Cinema é a arte da coletividade e ao mesmo tempo, profundamente individual, autoral. A leitura do mundo hoje é visual, aprender a codificar esta linguagem e poder fazer dela um ofício, é algo extraordinário. Cinema se faz porque gosta ou então você não faz. Não é o tipo de profissão que você faz porque é obrigado.  Aprendi que uma das maneiras de eu continuar aprendendo a cada nova oficina, a cada novo filme, vídeo, é se colocar no lugar de aprendiz. Quem vem fazer uma oficina de vídeo, pode ser a mais singela possível, vem porque fez uma escolha, a pessoa traz consigo uma história, que se alastra com a da família, da rua, do bairro, da cidade, do Estado, do país, ou seja: traz consigo as marcas do seu tempo, as marcas da vida.  Faz amigos. O que se faz em cinema não é para si, é para o outro.

Como você age antes e durante a filmagem em relação às escolhas de onde se colocar com a câmera e na relação dela com atores e com o ambiente? Você faz decupagem, story board? Muda muita coisa na hora de filmar? 
Minha produção é majoritariamente documental e nele eu sei por onde começar, o que vai resultar nunca é o que pré-estabeleci. Coloco a câmera na melhor posição da cadeira que escolho para ver o filme, ela muda em função do ambiente e às vezes, numa posição que obriga quem estar sentado na melhor posição, diante de uma tela, ter que encontrar naquela melhor cadeira, outra posição, para melhor olhar aquela cena. 

Quando faço ficção, a escolha dos atores passa por testes, ensaios, um ator ou atriz mal escolhido deixará marcado na tela certo incomodo que na maioria das vezes, o espectador não indique aquele filme para um amigo.
A decupagem acontece sempre, tanto no documentário como na ficção. Ela é mais suportável na ficção, no documentário é estressante.
Story board é muito raro, mas faço muitas fotografias antes como se fosse Story Board. Se o Set de filmagens não te provocar algum tipo de mudança é um bom sinal que alguma coisa não esta no lugar.
Quais as características de um bom diretor?
Aquele que sabe dizer não depois de ouvir um auxiliar, aquele que sabe delegar uma função com a mesma legitimidade que faz uma correção, é aquele que propicia a toda sua equipe, o livre exercício de suas funções, desde que elas estejam de acordo com os limites de cada uma. A criação tem limites, definidos pelo roteiro, pela produção e finalmente pela concepção que o diretor tem de seu filme.

Qual a importância do roteiro, da fotografia, da produção, da direção e da edição em um filme?
Impossível um prescindir do outro, é uma trama, se tira um fio, compromete toda a rede, toda a teia. O roteiro define tudo que vem depois, mas não da para afirma que um é mais importante do que o outro. Evidente que um filme mal fotografado compromete seu resultado final, assim como uma edição que não preserva os preceitos básicos da linguagem; do corte preciso – não confundi com picote de operador de ilha de edição -, que permite a narração fluir, possibilita o ritmo, a evolução da trama, criar o clímax. Sem isso o resultado final estará indubitavelmente comprometido.

Assim como a produção, se ela, não for capaz de catalisar e harmonizar os conflitos humanos de uma equipe de produção, o resultado final também estará comprometido e assim, sucessivamente.

Quando produz, você aposta mais nos realizadores ou no roteiro?
Produção aqui é no sentido de quem aplica o dinheiro para outra pessoa realizar o filme. Neste caso a primeira aposta é no roteiro. Eu compro a idéia que esta no roteiro, depois é que aposto na capacidade deste ou daquele diretor realizar esta ou aquela proposta.

Você acha que faltam ideais à nova geração de cineastas?
Ideias não faltam. Penso que a produção cinematográfica e audiovisual ressente de sentido. Vivemos a fase da quantidade, da falta de compromisso com valores humanos e do excesso de sisudez para assumir os riscos do mercado. O filme é um produto industrial caríssimo. Ele precisa ser, por um lado, visto como produto de consumo e por outro, ser um produto cultural.

É possível outra maneira de se fazer um “bom” filme? Claro que sim. Mas é necessário separa produto de consumo ligeiro de produto cultural, formador e educativo. Nosso grande problema é que ficou muito fácil fazer um filme e quase impossível mostrar este mesmo filme.

O cinema brasileiro passou por diversas fases de produções e linguagens. Na sua avaliação, quais são as contribuições dessas obras para o audiovisual? Comente essas fases.
Em todas as fases de produção, basicamente o que permanece são as obras, poucas são as empresas de vida longa, aqui podemos citar desde a Cinédia de Adhemar Gonzaga, a Atlântida do Severiano Ribeiro, ambas no Rio de Janeiro, a Vera Cruz dos Matarazzo, a Maristela do Mário Audrá Júnior, cada uma há seu tempo tem lá sua importância, produziram vários filmes que hoje são considerados clássicos, revelaram grandes atores e atrizes e ditaram as regras naquele momento.

O Ébrio, produzido pela Cinédia, dirigido pela Gilda de Abreu, com Vicente Celestino além de ser até hoje uma das maiores bilheteria do nosso cinema, a presença da figura feminina é fundamental. O Cangaceiro, produzido pela Vera Cruz e dirigido pelo Lima Barreto, além de ter ganhado dois prêmios em Cannes – melhor filme de aventura e melhor música -, influenciou vários cineastas, tanto no Brasil como no exterior. É preciso incluir produtora de menor porte, organizada como empresas familiares, como a Cinedistri dos Massaini, que produziram o “Pagador de Promessas”, dirigido pelo Anselmo Duarte, que permanece como nosso único filme a ganhar a Palma de Ouro em Cannes.

Desta fase é importante marcar o papel da Empresa Brasileira de Filmes -EMBRAFILME -, criada pela Ditadura, que elevou o patamar de exibição do filmes brasileiro ao patamar mais alto, 125 dias.  Ela produziu vários clássicos e fez as melhores bilheterias do Cinema Brasileiro.  

Sobre a EMBRAFILME, muito ainda a o que falar, não é o caso aqui, mas para provocar, é interessante observar que, é através da Embrafilme, que o Estado Brasileiro – Ditatorial – vai incluir o cinema na economia e o cinema vai ser um setor da economia que vai ser tratado como um bem de interesse do Estado.

Como está o cinema independente e a produção de curtas no Brasil?
No melhor momento de sua existência. Quase tudo do que se produz hoje, pode ser considerado “Produção Independente”. A imensa maioria dos filmes que são realizados pelas pequenas produtoras, tem o Estado como o grande mercena. Aparentemente o acesso aos mecanismos de produção, a grana, ficou mais acessível a uma grande maioria. Nunca se produziu tanta imagem no país.

A grande questão é como escoar, coma fazer o filme chegar à tela e como criar mecanismo que possibilite a população ver estes filmes. O filme brasileiro que esta sendo produzido com dinheiro público, e quando lançado em vídeo é mais caro do que o filme estrangeiro merece o mais veemente protesto! O que se produz sem financiamento público, pouquíssimo chega aos festivais e mostras. A questão da facilidade - do tudo escancarado e a internet é a melhor referência -, esta posta em contra posição a qualidade,


Parte da equipe técnica do filme "A Paz é o Caminho", média-metragem de Diogo Gomes dos Santos, que será lançado em novembro/2011, filme sobre a Integração latinoamerica e a importância da cultura da paz em um mundo militarizado.

Os festivais e as leis de incentivo ajudam ou limitam essas produções?
As Leis de Incentivo Fiscal é hoje o mecanismo que permite esta abundância de filme produzido, o que é excelente. Os Festivais e Mostras são peças fundamentais de promoção dos filmes e muitas vezes, servem para alavancar e mesmo revelar talentos.

 Quais são os maiores desafios em fazer cinema?
Desafios de produção é sempre dinheiro, uma vez que, pressupõe-se que, quem chegou neste estágio, outras barreiras já foram superadas, por exemplo, a questão da formação profissional.

Mas o desafio é a questão da tela de exibição. É ai que uma indústria se realiza ou não. A indústria cinematográfica que se realiza em nossas telas, única e exclusivamente é a norte-americana, as demais são figuração.



O que falta para o Brasil ganhar um Oscar? Fazer filmes que a Academia "gosta" é bom para o cinema?
Não reconheço que o Oscar seja uma condição para o filme brasileiro ser aceito pelo público ou que ganhar o Oscar seja sinônimo de qualidade. O Brasil é o segundo mercado, depois dos Estados Unidos, do filme americano. O Oscar é mercadoria de consumo ligeiro, é “Fast-Food”. Penso que para ganhar um Oscar, no nosso caso, além de ser negociado, o filme não pode ter elementos “universais” de aceitação pública mundial, porque significa concorrência entre iguais. E uma coisa que os Estados Unidos da América do Norte não é, é uma democracia de iguais, pelo contrário.

A política americana é feudalista, eles praticam inclusive em situação como esta, do cinema, o chamado “Terrorismo de Estado”. Não vamos nos esquecer da ameaça do Congresso americano e da visita surpresa ao Brasil, do presidente da Mootion Pictures International– nos anos de 1980 – de sobre taxar o calçado brasileiro para o mercado interno americano, em função da obrigatoriedade da exibição do filme de Curta-Metragem Brasileiro, antes do longa estrangeiro e de aumento dos dias de exibição dos nossos filmes em nossos cinemas.


Você já sofreu algum tipo de preconceito na área?
Não.

Tem alguma história engraçada ou fato curioso que aconteceu na realização de um filme?
Em Diadema, o pessoal para constituir de fato o Núcleo de Estudos, Produção e Difusão de Cinema & Vídeo COM-OLHAR, teria que fazer uma produção, tipo Tese de Conclusão de Curso – TCC ou algo parecido. A produção escolhida foi o filme “Um Fechar de Olhos”, cuja trama, a maior parte, acontecia dentro de um ônibus. Na Equipe Técnica e Artística, tinha 105 pessoas. Foi preciso dois ônibus, uma da técnica e o outro do set de filmagens. Uma viatura da Guarda municipal, todas as ruas por onde o ônibus passaria foram liberadas, tudo foi providenciado. Equipamentos profissionais foram alugados – câmera, tripé, microfone, luz, etc. -, e o filme deveria ser rodado em dois dias.

Eram dois diretores, Arnaldo Malta e Gilberto Caetano. A certa altura, o stress começa a rondar a equipe, pressão de todo lado, a cada nova cena, novos problemas. Quando chegamos ao Serraria, um dos diretores desceu do ônibus e foi dirigir os atores que entrariam no ônibus a partir dali. O ônibus do set teria que sair e o da técnica, esperar um pouco, recolhia os atores que descia e continua atrás do outro. O Arnaldo e o Miguel, este último, diretor de Set, que desceu junto com o Arnaldo, teriam que voltar ao ônibus do Set. Naquela loucura toda, eles não entram no ônibus da técnica, o ônibus do Set não parou, ninguém viu os dois correndo atrás, pedindo para o ônibus parar. Quando chegamos numa das paradas, os dois chegaram. Foi um misto de riso e bronca. Detalhe, o diretor Arnaldo Malta é deficiente físico e Miguel, solidário a ele bancou a nossa indiscrição. Não por isso, mas o filme ganhou alguns prêmios.

O que é mais difícil: realizar documentário ou ficção?
Em termo de produção o filme de ficção. Em termos de criação e pesquisa, o documentário.

O que mais gosta no audiovisual? O que essa arte te proporciona?
Gosto de quase tudo. Não gosto da decupagem final, antes da edição. Proporciona conhecimento. É uma atividade que exige estudo o tempo todo. Você tem que se reciclar, atualizar e na medida do possível, procurar ir além do que esta sendo realizado pelos demais.

Quais são suas referências cinematográficas? Quais filmes e diretores marcaram sua vida e te influenciaram?
Nelson Pereira dos Santos – Vidas Secas -, na época achei muito próximo da minha experiência de vida; O Homem Que Virou Suco de João Batista de Andrade, devido à época. Deraldo, o personagem do filme, era muito a minha sombra. Roberto Santos de A Hora e a Vez de Augusto Matraga; Etore Scola, um cineasta completo. Dziga Vertov escreve com a câmera. Eisenstein, pela possibilidade do coletivo; Silvio Tendler, pela narrativa e uso da linguagem das imagens de arquivo; Vladimir Carvalho, pela aridez de suas imagens e tantos outros, Santiago Alvarez, Patrício Guzman, Tomás G. Alea, Poul Leduc, Luis Buñuel, Ana Carolina, Elianne Caffé...

Qual filme você gostaria de ter feito? Por quê?
Nas Trilhas da Fé e da Guerrilha, porque será o meu primeiro longa documentário com uma versão para TV e outra para o cinema. Nunca me passou a idéia pela cabeça, depois de ter assistido algum filme. Emociono-me sempre com um bom filme!

Você assiste muitos filmes em casa? Vai ao cinema com frequencia?
Em casa vejo uma média de quatro filmes por semana. No cinema uma média de dois por mês. Para quem quer fazer cinema, vídeo, assistir filmes é essencial. Vendo os filmes, você apurar o olhar, se recicla, atualiza.


Quantos filmes realizados na carreira? Filmografia?
Ao certo não sei, deve chegar a uns 20, fora os que orientei nas oficinas, participei com outra função, tipo fotografia e câmera, roteiro, produção e até como ator.

Quais os projetos atuais e os próximos?
Estou finalizando, um vídeo de uma oficina da Casa de Cultura Mazzaropi;
Um documentário da Joseane Alfer – um dos filmes mais difícil de editar. É um documentário em que os personagens não aprecem -; um filme sobre a “Boca do Lixo” e um filme documentário sobre a Paz mundial, tendo a América Latina e o Atlântico Sul, como região de paz.

Na agenda para filmar, tenho um curta ficção, previsto para a segunda quinzena de outubro e estou captando recursos para um longa documentário, a ser filmado no sertão da Bahia, entre agosto e novembro de 2012.

Além disso, publico a Revista CineclubeBrasil; assessoro a Associação DINDA que é um programa de extensão da Universidade Camilo Castelo Branco; Assessoro a programação da sala de Cinema da Subprefeitura de Itaquera; estou preparando pesquisa de mestrado sobre o Movimento Cineclubista e tenho um livro para ser entregue até o final do ano.


Olderico Barreto, de calça jeens escura, narra para a equipe do filme "Nas Trilhas da Fé e da Guerrilha", longa/Doc. de Diogo Gomes dos Santos, a trajetória de Otoniel Barreto, quando empreende fuga, diante do cerco militar ao povoado do Buriti Cristalino, comando pelo facínora Sérgio Paranhos Fleury, na tentativa de avisar seu irmão Zequinha e o Capitão Lamarca.


O que você quer dizer com essa frase:  "O filme só existe na tela... quando bem projetado!"

Filme feito e não exibido é como um prato de feijão cru sobre a mesa, um poema na gaveta, um projeto não realizado. A tela é o lugar da existência, do ser, é onde o filme ganha perenidade. É a partir dela que os filmes e seus personagens, vivem eternamente na memória dos espectadores.

Uma das piores coisas que pode acontecer com um filme, é quando ele é projetado e a qualidade técnica não possibilita que seja apreciado como foi concebido, tanto com relação à resolução das imagens, como em relação ao som. Uma fala incompreendida, um objeto não identificado, um movimento de câmera travado ou pulado... E por aí vai, é terrível!



Alunos da Oficina "Escrever com a Luz", ministrada por Diogo. Calçada da Rua Xavier de Toledo, São Paulo, final das gravações do curta/ficção: "Qualquer Pensamento"




Entrevista
Via email, para subsídio do trabalho de TCC de Danilo, aluno de jornalismos da UNISA. 


1- Durante a década de 60, Glauber, ainda um rapaz de 20 poucos, já fazia muito sucesso com seus filmes e como precursor do Cinema Novo. Qual foi a importância de Glauber para o Cinema Novo? É possível imaginar o Cinema Novo sem o Glauber Rocha?

É importante salientar, quando Glauber finaliza seu primeiro filme, O Pátio (curta), ele simplesmente não mostra, por não ter gostado do resultado final. Glauber pensa em esquecer esta história de cinema e se dedicar ao teatro e a escrever. É justamente neste período que ele começar a ler as críticas de Walter da Silveira nos jornais baianos e fica sabendo das atividades do Club de Cinema da Bahia, dirigido pelo mesmo Walter. Glauber passa a freqüentar as atividades do Clube de Cinema (Cineclube) e Walter fica sabendo do seu filme e pede para ver o filme. Walter elogia muito o filme, identifica em Glauber um talento, mas não deixa de apontar falhas. Walter incentiva Glauber a continua a fazer filmes e lhe apresentar os primeiros filmes do Cinema Novo e do pré-cinema novo: Os pré-Cinema Novo, Humberto Mauro, Alex Vianny, Roberto Pires, entre outros. Do Cinema Novo, Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Linduarte Noronha, além dos cineastas e filmes Soviéticos e do Neo-Realismo Italiano. Glauber se integra ao Clube de Cinema da Bahia e participa da primeira Jornada Nacional de Cineclube, realizada em São Paulo em 1959, como representante daquele Clube de Cinema.

Glauber agora já é um cineclubista, começa a escrever nos mesmo jornais que Walter da Silveira escreve e começa a trabalhar em produções de cinema na Bahia, fazendo qualquer coisa. Viaja para o Rio de Janeiro, para conhecer  melhor como se produz cinema e conhece Nelson Pereira dos Santos, sua grande admiração e fica conhecendo outros cineastas. De de lá, pede dinheiro para sua mãe para comprar um carro importado. Dona Lúcia. Sua mãe, manda um pouco de dinheiro, pois ele mente para a mãe dizendo que tinha ganho um pouco de dinheiro (não se sabe direito onde, se trabalhando ou na loteria). Com o dinheiro de sua mãe, Glauber compra uma filmadora Bolex movida a manivela. É daí que surge a frase: “para se fazer cinema, basta ter uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”.


Eis a primeira câmera adquirida por Glauber Rocha e que o inspirou a frase que ficou famosa nesta versão: "Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão" .


Contra Plano da mesma câmera, pertencente ao acervo pessoal de Roque Araújo, depositada no DIMAS - Departamento de Imagem e Som da Bahia -, onde é funcionário. Roque é uma espécie de guardião da memória "particular do homem Glauber", e com ele participou de "quase tudo", é acima de qualquer suspeita um amigo fiel desta memória. 

A sorte lhe sorriu quando trabalhava como assistente de direção de Luiz Paulino e este, se rompe com os produtores do filme. Glauber então convence Rex Schendler a dirigir o filme iniciado por Paulino, far algumas alterações no roteiro e na prática faz o filme que estava na sua cabeça a partir da ideia original. Aí temos seu primeiro longa-metragem Baravento.

O Cinema Novo nasceu sem Glauber, ele foi seu maior entusiasta, o que poderia ser chamado de pai do Cinema Novo, chama-se Nelson Pereira dos Santos. Claro, o Cinema Novo não seria o mesmo sem a influência Glauberiana, mas com certeza existiria sem ele, mas isso é outra história de ficção.



2) - Atualmente parece que não vemos mais as características do Cinema Novo na produção nacional?

R – "Atualmente", ainda é muito recente para esta afirmação. Aqui no Brasil, até como forma de se livrar dessa herança, dizer isso causa polêmica. Fora do Brasil, os cineasta reclamam, porque eles, a crítica estrangeira, sempre fazem a comparação entre o Cinema Novo e o atual. A última tentativa de se falar disto, foi com o surgimento do filme “Cidade de Deus” do Fernando Meirelles, a professora e crítica de cinema Yvana Bentes, fez um trocadilho comparativo entre “Estética da Fome” presente no Cinema Novo, com a “Estética da Cosmética”, o pau rolou. 


3) - Como o cinema nacional vê a importância de Glauber atualmente? 

Glauber é Mito e no Mito o que importa é a inspiração que dele vem e não o que exatamente ele fez. Até hoje, muitos críticos brasileiros e estrangeiros acreditam que o último filme do Glauber, ainda não foi entendido pelos críticos e especialistas, que dirá então pelo público. É um filme feito muito antes do seu tempo, sentencia alguns.


 4) - é possível dizer que ele está entre os mais importantes cineastas brasileiros de todos os tempos?

R – Isso não é uma possibilidade, esta é uma afirmação unânime e mundial. Glauber é um dos cineastas mais importantes do planeta!


5) - para você, o que foi o Cinema Novo?

R – O Cinema Novo foi uma tentativa de se discutir o Brasil a partir do filmes, do ponto de vista dos morros, das favelas, do sertão. Foi um cinema de ideias. Foi um cinema feito por jovens, abordando temáticas jovens para o nosso cinema, de maneira nova de ver o homem brasileiro na sua essência e não a partir do olhar do outro – por isso que ele é novo! Porque foi um cinema feito por jovens, pela juventude que vivia num país em transformação. Saindo da uma sociedade agrícola para a uma urbana e industrial. Daí a ideia de cinema de autor sai bastante reforçada. Os cineastas faziam os filmes de acordo com suas concepções de mundo e não de acordo com o gosto do público ou do mercado, como se diz.



6) - Durante a década de 60 vimos surgir a organização do cinema, com mais leis e federações, inclusive com o surgimento de muitos cineclubes. Quais são as características dos cineclubes atuais, e das décadas passadas?

R – Atualmente os cineclubes se destacam mais pela possibilidade deles mesmos produzirem os seus próprios filmes. Antes não, antes o cineclube era a melhor escola para se aprender e fazer cinema. Os cineclubes era difusores, formam o público para melhor identificar os códigos dos filmes, para melhor entende-los. Antes os cineclubes eram as ONGs de hoje. Hoje os cineclubes começam a ter uma característica empreendedora. Inclusive como possibilidade profissional.


7) - Quais são os projetos que o cineclube no qual você preside realizam?

O Centro Cineclubista é uma espécie de incubadora de cineclubes, é constituído de múltiplas experiências, mitos cineclubes desenvolve trabalhos focados em temáticas específicas, como a questão de da mulher, de gênero, da produção independente, de temáticas variadas, do cinema Africano, da relação cinema com a literatura, do cinema latinoamericano, das escolas de cinema mundial, do cinema indiano e por aí vai.
Além disso ele ainda procura manter uma Revista a CINECLUBEBRASIL, tem uma sala de Cinema chamada “Cineclube Grajaú”, uma vitrine de um projeto mais ambicioso chamado de Circuito Popular de Cinema, realiza, Fóruns, Seminários, Palestras, Workshops, Oficinas, Mostras. Etc.
De maneira geral, procura discutir as políticas públicas de cultura e mais especificamente, aquelas ligadas ao cultura Cinematográfica e do Audiovisual






Entrevista para alunos da Pontifícia Universidade Católica - PUC.
Lelo: Eis a entrevista.






1 – Qual a quantidade de cineclubes em São Paulo? Esse número já foi maior?

R – Como estamos num processo permanente de reorganização dos cineclubes, a cada semana, atendemos de três a cinco pedidos de orientação para abrir um cineclube. Eles demoram um certo tempo para se concretizarem. Mas já podemos falar em torno de 30 a 40. No Estado de São Paulo, este número chega ai por volta de 70 a 80. Em ambos os casos, nos anos oitenta, estes números era mais que o dobro.


Geraldo Sarno, documentarista - debate no III Bahia Afro film festival - BAFF-, debate sobre o filme "Yaô"


2 – Qual o público freqüentador?

R – Cada cineclube está localizado em setores diversos da sociedade e como o trabalho ainda é bastante incipiente, o público é bastante variado e depende basicamente do tipo de filme que é programado. Por exemplo. O cineclube da UAPO (União dos Aposentados e Pensionistas de Osasco), o público em sua maioria esmagadora é de aposentados. Já no Cineclube ASSUNÇÃO HERNANDES de Diadema, quando passamos o filme “O Homem Que Virou Suco” de João Batista de Andrade, o público estava divido entre jovens de 16 a 25 anos e adultos de 40 a 60 anos. No debate após a sessão foi bastante interessante por as falas dos jovens era no sentido de dizer que, o que seus pais diziam era igual o que estava no filme. Os adultos se viram retratados no filme. Todas as segundas-feiras no Centro Cineclubista, por volta de 20 pessoas se reúnem para discutir cinema. Este é um público misto de jovens e adultos na faixa dos 26 a 50 anos.

Lú Cachoeira, monitora visita de Escola na Exposição de equipamentos cinematográficos, durante a realização do III BAFF

3 – Qual a importância do cineclube na sociedade?

R – Uma primeira definição mais poética. “Cineclube é a casa do cinema, lugar onde se reúnem os seus amantes para ver, ouvir e discutir, o lugar onde os filmes e seus personagens vivem eternamente na memória de seus espectadores”. Um filme no existe quando projetado. É nos cineclubes que um filme se realiza em toda sua plenitude. Porque além da projeção, ele é discutido. Antes de ser exibido, o filme, passa por um processo de seleção e vários aspectos são levantados, discutidos e só depois ele será programado e projetado. O cineclube é assim, uma espécie de elo de ligação entre o filme e o público. Num cineclube se exercita a convivência coletiva. Um lugar de relacionamentos pessoais. Um lugar onde a ação individual cede lugar ao coletivo. Onde se organizam as idéias, o pensamento e até o público. Hoje os cineclubes discutem também a sua própria produção. No passado, os cineclubes funcionavam também como uma espécie de “ESCOLA LIVRE”, porque não existia escola de cinema. De sua ação, várias movimentos cinematográficos e cineastas, surgiram. A revista mais respeita de cinema “Cahiers dú Cinema”, foi fundada por cineclubistas. No Brasil os três festivais mais importantes: Festival de Gramado, Festival de Brasília e Jornada Internacional de Cinema da Bahia, foram fundados por cineclubistas. Sem falar que quase toda a geração do Cinema Novo, são oriundos do Movimento Cineclubista. Para ser sucinto. É nos cineclubes que se forma novas gerações de espectadores críticos para o cinema. Hoje, os circuitos de exibição mais referenciados pelo público, começaram como cineclubes, são eles: “Espaço Unibanco”; “HSBC” e “Estação Botafogo”, os dois primeiros estão em São Paulo, mas com salas em todo o país e o último, no Rio de Janeiro, também presente em boa parte do pais.


4 – Você participou do movimento de rearticulação dos cineclubes. Qual foi o resultado do movimento?

R – Sou cineclubista deste 1977. O primeiro cineclube fundado no Brasil com estatuto e uma atividade permanente de exibição, debate de filmes e editavam uma revista, O FAN, data de 13 de junho de 1928, chamou-se Chaplin Club. Temos informações que antes disso, por volta de 1917, já tínhamos grupos interessados em discutir filmes. Do primeiro cineclube até hoje, 2005, a única geração que cresceu sem conhecer a ação dos cineclubes organizados em entidades representativas e exibições permanentes, foi a geração dos anos 90. De lá (1928) pra cá, está é a segunda rearticulação. A primeira desarticulação aconteceu de 1968 a 1974, tem início com a edição do Ato Institucional nº 5, pela Ditadura Militar e sua reorganização acontece ainda sob a Ditadura, numa face mais “suja” do governo militar do General Medicci. A segunda, entre os anos de 89/90 a 2004, aí foi um fenômeno social. Auge da globalização e recessão dos movimentos sociais, afirmação do vídeo cassete, fechamento dos cinemas de rua e surgimento dos cinemas nos shopping centrs, culminando com a “burrada” Collor, que acaba com a Embrafilme e a produção de filmes de longa-metragem no Brasil vai a um filme por ano. Como os cineclubes vinham de uma tradição de luta política contra o regime de ditatorial, pela volta do país as normalidades democráticas, pela liberdade de expressão, contra a censura, em defesa do Cinema Brasileiro. Quando toda essa luta se torna vitoriosa, as lideranças cineclubistas da época, não conseguem elaborar novos paradigmas de atuação dos cineclubes. Aí acontece esse hiato.

Concretamente hoje existem cineclubes ou embriões de, em todo o território nacional. Já realizamos dois encontros nacionais, em 2003 e 2004. Várias entidades estaduais estão sendo organizadas, o Centro Cineclubista de São Paulo foi a primeira entidade de representação a ser organizada. A antiga entidade nacional foi rearticulada, mas ainda não foi registrada e não é reconhecida por várias entidades, entre elas o Centro Cineclubista de São Paulo. Nós do Centro Cineclubista editamos uma Revista chamada CINECLUBEBRASIL. Foram retomados os contatos com a Federação Internacional de Cineclubes e com vários países da América Latina. Filmes e vídeos estão sendo produzidos, encontros regionais, estaduais, mostras e festivais cineclubistas estão sendo realizados. Lançamentos de filmes só no circuito dos cineclubes estão sendo feitos, etc.


5. O Que é um Cineclube?

Um cineclube é uma sociedade organizada, que tanto pode ser uma sala de cinema qualquer, ou um local adaptado, tipo sala de aula, sociedade amigos do bairro ou mesmo na rua ao ar livre, onde todos participam e decidem sobre suas atividades, onde o filme seja visto e debatido com o público que o assistiu. Onde a programação seja feita por uma comissão, onde seja exibido filmes e vídeos produzidos pela comunidade, onde se assiste filmes que não foram exibidos nos cinemas comerciais ou nas locadoras. No cinema o filme é uma mercadoria, é um objeto de troca, onde o mais importante é o dinheiro arrecadado na bilheteria. O cineclube não tem fins lucrativos. No cineclube o filme é visto, é revisto, é discutido. Assim, o cinema contribui para reforçar os laços comunitários e de cidadania. Cineclube é uma atitude em favor da não violência, lugar de apreender com o outro. O cineclube é também o lugar onde o ato de ver um filme é coletivo, é o lugar do encontro social, do namoro, da amizade, do companheirismo, a onde o sujeito atuante reconquista o direito de transformar seu cotidiano. Enfim, cineclube é também o lugar onde reúne pessoas para ver, ouvir e discutir os filmes e seus personagens. Pois eles vivem eternamente em sua memória.


Foto do mural no Cineclube Unisanta de Santos

6 – Como rearticular os cineclubes para voltarem a ter grande importância?

R – Diante do que vem sendo feito, temos sido apoiados pelo Ministério da Cultura e em São Paulo pelo Centro Universitário Nove de Julho – UNINOVE. Claro que outras instituições e pessoas vem incentivando o Movimento. O Centro Cineclubista de São Paulo e a Comissão Baiana de Cineclubes, vem redefinindo o que chamamos de Novo Cineclubismo. Definimos o digital como suporte preferencial, mas não exclusivo de atuação dos cineclubes, a questão da criação e produção passam a ser, elemento essencial no fazer cineclubismo. O cineclube deixa de ser um centro de exclusividade e passa a conviver, incentivar e praticar com outras linguagens e manifestações artísticas, praticamos o cineclubismo com a diversidade, com o diferente, o cineclube se organiza conforme a especificidade local, admitimos que a base de representação do cineclube tenha outro valor, do que só um voto por cineclube, nas decisões do movimento, que tenha mais de uma entidade representativa por Estado, que a direção nacional seja eleita por base na proporcionalidade. Portanto dizemos: “Cineclubismo é, antes de tudo movimento: movimento de gente, de idéias, de imagens e sonhos, de iniciativas e esforços em favor da atividade cinematográfica”.




Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista, cineasta, Um dos fundadores e editor da revistas CINECLUBEBRASIL, ex-presidente da Federação Paulista, do Conselho Nacional de Cineclubes, do Cineclube Bixiga e atual residente do Centro Cineclubista de São Paulo.