sexta-feira, 23 de novembro de 2012



“Gonzagão, de filho para pai”

Entre outras qualidades, o velho Lua, como também era chamado Luiz Gonzaga, foi mestre contador de “causos”. Gravou muitos, verdadeiras digressões e regravou esta em forma de diálogo com seu filho Gonzaguinha: “... Lulinha, olha o povão... um dia eu chego lá, devagar... não esqueça do povão meu fio... ah, sem pressa, sem pressa... ta com sodade do vovó Januário... não se esqueça que tudo começou com ele mo fio... e como é que é a história?... de pai pra fio, hein! De pai pra fio, derna (desde) de 1912, essa é que é a história... deixa que eu levo pra frente! A música dá nome a grande turnê “A vida do viajante”, que de uma vez por todas uniu o clã dos Gonzaga. Participe desse diálogo ”deixa que eu levo pra frente”, Gonzaguinha assume o legado do pai e o que segue daí pra frente, é uma pérola em estado de lapidação! Breno Silveira encerra seu filme no embalo da música.

Talvez seja essa a história que o título do filme “Gonzaga, de pai para filho” de Breno Silveira, queira sugerir. No entanto, do meu ponto vista, o que se vê e do que se diz, está inverso. Logo no início do filme o personagem Gonzaguinha, é apresentado como protagonista; meio “angustiado” bebendo, fumando, introspectivo, embalado ao som de “Rasga do Nordeste” do Quinteto Armorial e o vemos com a revista Veja na mão com a manchete de capa: “Explode Gonzaguinha”.

Como a imensa maioria dos cineastas brasileiros, Breno em “Gonzaga, de Pai para Filho domina, com maestria, linguagem e técnica. Um filme danado de bom em todos os sentidos. Bela fotografia; reconstituição de época; elenco uníssono; montagem fluente, como no ritmo cadenciado, tipo “um bailado de baião de dois: “Dois passos para um lado, dois para o outro e o terceiro encaixado no meio”; música na medida certa, narrativa com liga interna, emendando um assunto com o outro; mudança de tempo e personagens em corte seco, direto, como uma vírgula de Machado, Drummond, Graciliano, parece inté liga de beiju, gostoso... um filme necessário para o cinema brasileiro.

Adorei o filme, visto pelo olhar do filho, “rejeitado?” homem forjado na luta das causas nobres dos mais fracos. Mas como este pobre diabo, digo “coitadinho”, adquiriu consciência crítica a ponto de ser de “esquerda”? O garoto estudou em colégio interno (um dos melhores do Rio de Janeiro), graduo-se em economia, em sua mesa nunca lhe faltou o pão, mas... foi abandonado pelo pai... enquanto que Januário, o avó de Gonzaguinha, amou seu filho Luiz; pobre, cafuzo, negro, sertanejo, mestiço, semi-analfabeto... descriminado pelos senhores da terra e se tornou um “reaça”? Ou porque foi um trabalhador rural, ou porque serviu o exército? Ou ainda por sua solida formação familiar, por preservar valores éticos, morais, pátrios, aqueles que se adquirem primeiro em casa, ou porque fez sucesso, venceu na vida por seu talento?

Mas Gonzagão já era “Rei do Baião” antes da ditadura, seu circunstancial apoio, não sustentou aquele regime e tão pouco sua música mudou em função disso. O filme tem um problema interno – dramaturgia - quando tenta manter dois protagonistas. Vejo Gonzagão protagonista. O Gonzaguinha do filme tem seu lado pernóstico, pequeno burguês, aguçado, tanto quanto sua generosidade, mas invertidos. No material de divulgação, Breno diz que “Gonzaguinha foi rejeitado pelo pai”, no filme, Gonzagão é um pai ausente, mas que além de prover materialmente tudo ao filho, tentar, na medida do seu possível, ser um pai presente. Nada garante que a presença, suprima a carência de um filho pelo pai. Realçar o drama de um filho que se tornou famoso com sua música, no campo da esquerda, em contraposição ao pai “conservador”, além de ser um drama frágil, diante de outros exemplos, é dramaturgicamente frágil.
Na popular mitologia nordestina, cantada em prosa e verso pela literatura de cordel, três personagem ganharam perenidade, ainda em vida: Meu “Padim Pade Ciço Rumão Batista”, uma divindade naquelas paragens sertanejas; Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião bandoleiro, “Rei do Cangaço, governador do sertão”, assim como e Seu Luiz Lua Gonzaga, o “Rei do Baião”. Taxado por seu conservadorismo, por ter apoiado e votado na Arena, para o filme hoje, não digo que não seja importante, mas que relevância tem, diante de seu legado musical, de sua arte, do mito Gonzagão? De certa forma o Brasil de depois do espelho Gonzagão, é outro e bem melhor do que o anterior.

Como expressão de seu tempo, o Cinema Brasileiro, se não entendeu precisa entender, que no terreno da cidadania, o foco hoje é a “revelação da nossa memória, ocultada pela Ditadura Militar, da qual Gonzaga não pode ser confundido. O país precisa perder o medo de tentar saber quem somos, tanto no campo político como sócio cultural.

Poucos cineastas brasileiros tiveram em suas mãos, uma história tão arrojada quanto essa do filme “Gonzaga, de pai pra filho”, retratada num melodrama, gênero afeito ao gosto popular, como foi Luiz Gonzaga. Um mapa provido da terra Brasilis, sertão e mar, pai e filho, direita e esquerda, fome, mesa farta, urbano e rural. É justamente nesta contraditória dualidade que às vezes o drama do filho beira ao inverossímil, não distanciamento, que no filme, livra o melodrama de ser esótico.

Luiz Gonzaga costumava dizer, que para ofender um nordestino é só chamá-lo de sujeito, “vixi Maria, o pau come na casa de Noca!”, completava... rebelar contra essa condição de sujeito é ser “reaça?”. Tá certo, Gonzagão é o resultado do seu meio social, cantou para os militares é verdade, mas o velho lua não fazia música para os mais fortes e sim para os mais fracos, para os humildes, para os pobres? Ele, sua música, sua gente, sua terra são inseparáveis, o “veio” era orgânico na concepção mais gramsciana possível. Ele e sua arte estão acima da direita ou da esquerda, ela está cravada na alma do povo brasileiro, é simbiose pura, o velho tinha e ouso dizer: tem aura!

Esse povo que o consagrou, ao assistir o filme, dificilmente o recomendará sem reservas, por não aceita vê-lo retratado no cinema, como sujeito. Na sequência em que Gonzagão se prepara para se apresentar no teatro, todos os ingressos esgotados e lá fora tem mais gente do que no teatro. O que se vê é Gonzagão cantando para o povão. E os que pagaram ingresso para vê-los? Fica a sensação do artista irresponsável. Minha lógica de fã do Gonzagão é que ele cantasse para o público pagante e depois para o povão.

Recomendo o filme porque entendo que Gonzagão é exótico, popular. Neste sentido, o filme é para iniciados, mas para a grande massa, para os fãs de Gonzagão, soa estranho, algo o incomoda, não é o mesmo Gonzaga, cantador simples, o vemos pelo olho do outro, um pouco distante cantor popular. Em comparação “2 Filhos de Francisco”, do mesmo diretor e com temática bem parecida, cujo ponto de vista é o de pai para filho, se contrário, não teria sido o que foi. Em “Gonzaga, de pai para filho”, o tratamento é inverso. Ao eleger o filho como protagonista, vemos Gonzagão em excesso e Gonzaguinha pelo que se diz dele e não por ele. Tanto o público de um e do outro, não se espelham em seus ídolos, se estranham.

PS:
Aliás, sobre trilha sonora: Não me recordo de outro filme, em que a música tema do filme, é a terceira a ser tocada, nos créditos finais, e olhe que o autor é Gilberto Gil. Pela coragem, mas um voto de louvor ao filme! E viva Gilberto Gil!

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