Uma Joia a ser lapidada
Tenho insistido em realçar a
importância da produção como um pilar incorporado à mística do fazer
cineclubista do século XXI, mas tenho dito também, que o olhar sobre o fazer
desta produção, tem deixado em muito a desejar. Salvo as exceções de sempre,
anda difícil saber o que é pior, os vídeos de casamento ou os de, e, sobre os
cineclubes.
Acabo de vir do lançamento do
vídeo “Cineclube Mazzaropi, Cultura na Periferia”, no Cineclube Jorge Batista
de Osasco, que realiza o projeto “Cine-Debate”. 0 vídeo é um documentário que
resgata a história daquele grupo de jovens cineclubista, o que aconteceu com
cada um deles, com a evolução da comunidade e o processo de retomada do
cineclube.
O vídeo todo construído com
imagens, entrevistas da época, 1984 a 1990, permeado com as atuais.
Contextualiza e incorpora a atividade cineclubista, nas lutas, anseios e sonhos
da comunidade do Jardim Novo Osasco, Conceição e Olaria do Nino, procurando
saber o que aconteceu com cada um dos seus participantes e quais as
conseqüências depois da participação no trabalho do cineclube, que não se
resumia somente ao fazer cineclubista em si, mas interagindo com outras
linguagens artísticas; principalmente música, teatro, dança e os primeiros
movimentos do Hip-Hop e movimentos de rua.
Deste ponto de vista, da formação
do homem enquanto sujeito, ativo, crítico e participativo, o vídeo em essência,
demonstra na prática a importância desta atividade. Os depoimentos registram o que
aconteceu com cada um deles. Todos estão bem colocados, lutando por manter suas
conquistas, tanto no trabalho empresarial ou mesmo na afirmação com a atividade
profissional que resolveu seguir. Há o depoimento marcante de um dos
participantes do cineclube que diz algo mais ou menos assim: “Se não fosse pelo
Orlando que me trouxe para o grupo de jovens dos cineclubes, com certeza eu
teria caído no mundo das drogas, eu já estava no caminho”. Hoje ele tem uma
micro-empresa de eventos e tanto ele com sua filha estão dispostos a colaborar
com a volta do cineclube Mazzaropi a ativa.
Evidente que o registro feito há
mais de vinte anos, em VHS, apresenta as deficiências do sistema de captação de
imagens, mas do significado memorial e histórico, é um destes trabalhos que
deve ser difundido, não só pelos cineclubes, mas pelas Escolas, Pontos de
Cultura, Mostras e Festivais.
O vídeo enquanto narrativa tem
momentos primorosos, principalmente quando mostra num plano geral, uma espécie
de Assembléia popular, sobre a questão da moradia e da desocupação de uma área
invadida, em seguida, um corte seco, para o mesmo bairro com ruas asfaltadas e
continuação da luta por melhores condições de vida a ser conquista palmo a
palmo e sempre com muita disciplina, base fundamental da luta revolucionária
que o povo trava no dia-a-dia. È como se o vídeo quis dizer: È preciso estar
atento, permanentemente pronto para uma nova batalha.
Por outro lado e mesmo
ressalvando as condições técnicas, pela riqueza do conteúdo e a disposição do
Diretor Orlando Silva, em ouvir sugestões, apresentando o vídeo como uma obra
em aberto, acatando novas idéias, seria importante, alguns ajustes técnicos,
mas essencialmente o vídeo está pronto, com a espinhal dorsal bem delineada e
de conteúdo primoroso. Fica aqui, o que já conversamos no debate, junto com o
público. O vídeo é um produto de formação e informação, que traz consigo a
memória coletiva de um grupo de jovens, que ousaram fazer um trabalho de arte e
cultura, na periferia de uma cidade de grande vulto urbano, centro do chamado
“Novo Sindicalismo” nos anos de 1960 e início dos 70, de onde saíram José
Campos Barreto e o Capitão Carlos Lamarca, tendo uma gama memorável de
lutadores da liberdade, invejável, que citá-los, a lista seria imensa, para um
texto despretensioso, mas fica nossa homenagem.
Retomando, quando alguém se
pré-dispõe a fazer um vídeo como este, onde o diretor é está emocionalmente
envolvido e onde ele, Orlando Silva, faz um pouco de tudo, precisa fazer o
distanciamento crítico e cortar, cortar principalmente os amigos. O Vídeo é um
recorte de um determinado assunto, que necessita clareza, síntese, ritmo para
que a história tenha fluidez narrativa, para que o público possa acompanhar o
desenrolar dos fatos e de preferência de forma alegre, sem complicações. A
simplicidade pode ser o caminho mais curto para se alcançar a perfeição.
O vídeo do Orlando está como um
bom carro em auto-estrada, que vai andando em zin-zag. É só para no próximo
posto, calibrar os pneus e seguir viagem...
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