Cineclube X
Público - 2º Artigo para DIARI DI CINECLUB
“Cineclube é a casa do cinema, espaço de ver, ouvir e
discutir o filme, lugar onde o filme e seus personagens, vivem eternamente na
memória dos seus expectadores”.
Diogo Gomes dos Santos[1]
Premissa Cineclubista
Uma das místicas que ainda permanece viva nas atividades dos
cineclubes brasileiros, é sua relação com o público. Até o final da década de
1980, falou-se basicamente em formação e organização do público. O ato de ver o
filme, sempre foi para o cineclubismo, o cerne do aprendizado, quando não
existia o lugar da formação escolar. Mesmo depois do advento da instituição de
ensino, o vazio deu lugar ao olhar e a subsequente reação crítica, proporcionada
pelo debate, após a sessões dos filmes, creditou aos cineclubes, singular lugar,
em todas as culturas, onde a expressão fílmica se fez presente.
Dessa perspectiva didática, pedagógica, reverberaram
metodologicamente as ações cineclubistas no Brasil, que poderíamos nominar: cineclubismo
utópico. Almejar que o público pudesse participar do processo criativo do
principal produto da indústria cinematográfica, o filme, e uma vez, organizado,
engajasse na luta maior da sociedade brasileira da época, para derrubar o
Regime Militar.
Cineclube Digital - Diadema, SP
Vitoriosa esta última proposição narrativa, seu intento fora
precedido de programas de exibição, lançamento e debate dos filmes sobre a
situação do país, nos cineclubes e nas organizações da sociedade civil, cujo
temas denunciavam diretamente o regime, como foram as jornadas populares contra
a “Carestia”, a “Campanha pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita”, as
denúncias contra a devastação da Amazônia, as lutas operárias, e a “Campanha
pela recuperação dos filmes que foram presos pela Polícia Federal, quando esta,
por duas vezes, a sede da distribuidora dos cineclubes foi invadida e sequestrados
mais de 200 filmes[2].
Sala da Dinafilme, SP
Contexto da exibição cinematografia no Brasil
No Brasil, na
primeira década do século XX, o cinema floresceu rapidamente, o comércio se
estabeleceu e já por volta de 1909[3],
o país produzia mais de 100 filmes por ano. No entanto, em 1911 chega ao Brasil
a “Embaixada Americana[4]”,
grupo de empresários que aqui vieram para estudar as potencialidades do nosso mercado
de cinematográfico. Por volta de 1920, consolida-se o sistema de distribuição,
importação e produção do cinema norte-americano no Brasil, situação que perdura
até os dias atuais, uma situação de “ocupação”[5]
do filme de Hollywood sobre o mercado
exibidor brasileiro.
Os Cineclubes no
contexto da Contemporaneidade do audiovisual
Até maio de 2014, o Brasil era, em termos individuais, o
segundo mercado do filme estrangeiro, notadamente o norte-americano, em termos
de ingressos vendidos. Primazia, hoje, pertencente a China.
Atualmente o mercado de salas de cinema no Brasil, segundo a
Agência Nacional de Cinema - ANCINE[6]
-, é da ordem de 3.000 mil salas comerciais. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas – IBGE -, último senso de 2016, o Brasil tem 207,6
milhões de habitantes, 5.570 municípios, e em apenas 10,4% deles, tem salas de
cinema[7].
Em termo gerais, existe no Brasil, uma sala de cinema para cada 69.200 habitantes.
Dos 26 Estados e Um Distrito Federal, 1/3 (um terço), delas estão localizadas no
Estado de São Paulo, que, por sua vez, é o maior produtor de filmes, seguidos
pelos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.
A recente produção de filmes de longa-metragem[8]
no país, gira em torno de 120 por ano, todos financiados por meio do mecanismo
da Lei do Audiovisual, verba pública oriunda de renúncia fiscal. Desses, menos
de 20% são lançados comercialmente, atingindo uma média sempre variável entre
15 a 20% das bilheterias.
Por outro lado, é incerto o número de cineclubes no país.
Filiados ao Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, são por volta de 540, diz
Eduardo Paes Aguiar, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros
- CNCB. Mas se ampliar e contabilizar as atividades que se auto denominam cineclube,
numa consulta ao Google, estes números ultrapassam as 3.000 mil salas
comerciais de cinema.
A Antropia Cineclubista
Com a rearticulação dos cineclubes em 2003 e a cizânia promovida
em 2004, durante a realização da 24ª Jornada Nacional, pela liderança que optou
pela reorganização do Movimento, e conquistou a direção
nacional do Movimento Cineclubista, em detrimento da proposição de rearticular os Cineclubes[9],
como prendeu a posição excluída, nos dias atuais é possível constatar que a
proposta vencedora em 2004, foi a que mais contabilizou subtrações. Com ela, os
cineclubes ainda não se fizeram presente na vida cultura do cinema, que dirá do
país, envolto que ficaram à mercê da pauta aventada pelo Estado. Os “conquistadores”
assim como encontraram grupos produzindo, logo se apressaram a classifica-los de
cineclubes, num gesto de copiar e colar, sem levar em discussão a natureza
daquela atividade. Tê-la como aliada foi suficiente para incorporá-la, empolgados
pelo acesso, mobilidade, baixo custo e pelo “glamour” da produção, imaginando,
talvez, ser, as novas tecnologias, “a democratização dos meios de produção”, ah
velho Karl, quanta ironia. Na prática, esta nova ferramenta, disponível e utilizada
sem o real entendimento dos seus sentidos, atrofiou a ação cineclubista,
encurralando-a na forma de organização individual, e não mais coletivo da
atividade dos cineclubes.
A resultante é uma produção desprovida essencialmente de tratamento
narrativo, linguístico e estético. Os cineclubistas adeptos dessa propositura,
parecem dispostos a demoverem o “abnegado” Ed Wood, da primazia de seu lugar ao
sol cinematográfico. O objeto filme não foi apropriado por eles, nem como
criação de fatos estéticos e nem como gesto, ciência de fatos científicos.
Neste vai da valsa do copiar e colar, surge outra palavra de
ordem: “Os filmes são feitos para serem vistos[10]”.
A sugestão em profusão de tudo contemplar, desconsidera, nestes tempos
virtuais, o processo antropofágico, tão caro aos modernistas brasileiros, o
filme como meio de expressão contemporânea e a tela como fator de existência do
filme. As rupturas sofridas pelo cinema, ainda não foram suficientes para
ignorar a tela, como sustentáculo da indústria cinematográfica e fator de
unidade do Cinema Brasileiro. São
permanências como estas, que apontam para o futuro do audiovisual. Prematuro
será não considera-las, sob pena do vazio prevalecer sobre a ação. Algo
parecido com o que acontece com o Movimento Cineclubista Brasileiro nestes
tempos sombrios.
Tendências & Resultantes
O termo “cineuclube[11]”,
já começa a ser proferido como forma de organização cineclubista, também para
os que balbuciam ser esta, uma nova tendência do cineclubismo mundial, o
cineclube como objeto pessoal. É algo como se fosse uma experiência que está
sendo desenvolvida em função de futura tese ou, o que é mais comum, um
trampolim para uma profissionalização qualificada, num campo mais de satisfação
pessoal, e, quiçá, profissional.
Cineclube Atlântico Negro, RJ
Às vésperas de realizar sua 30ª Jornada Nacional de
Cineclubes (prevista para os dias 15, 16 e 17/12.17), uma saga que teve início
em 1959, os cineclubes brasileiros, debatem a constituição de uma nova forma de
organização estatutária, onde está questão aparece, desfocada, certamente [12].
Nesta última década da reorganização (2005/2010) veio à
baila, a discussão um tanto quanto atrasada dos “direitos do público”, demanda explicitada
pela Federation Internationale des Cine-clubs
- FICC -, na “Carta de Tabor[13],
em 1986”. Este debate por aqui, parece ter proporcionado mais equívocos do que
esclarecimentos. A palavra de ordem do CNCB é: “Nós Somos o Público[14]”.
O que poderia ser uma interpretação simples da expressão, da forma como está redigida,
fica a dúvida de quem é ou quem seria o “Nós”, quando questionada, não chega a
ser subsidiada pelos os que a escreveram.
Campanha do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros - CNCB -, contra a ameação de extinção do Ministério da cultura, aventada pelo governo Temer.
O contexto político social brasileiro atual, é da mais profunda
desordem. Crise das instituições públicas, todas desacreditadas, acusadas de
envolvimento com um Golpe de Estado Parlamentar, efetivado em concluiu com a
Suprema Corte, acobertada pela mídia, na prática, acompanhado de retrocessos
sociais, ataques as liberdades religiosas e artísticas, embora o Estado seja
laico, refluxo dos Movimentos Sociais, entrega do patrimônio público ao capital
estrangeiro, avanço da extrema direita, enquanto muitos advogam, estar em vigor
o “Estado de Exceção[15]”.
Nestas circunstâncias, o papel de resistência histórica dos
cineclubes, diante das adversidades, sejam elas quais forem, caíram no vazio. O
Movimento não produziu absolutamente nada, embora as manifestações nas redes
sociais, se limitam aos “Curtir”, “Comentar” e “Compartilhar”, advogando com
isso que estão do lado oposto do regime.
O que impediu e ainda impede os cineclubistas que
conquistaram a direção da entidade nacional em 2004 a se apropriarem do
Movimento Cineclubista Brasileiro foi o peso da história, que mesmo não o tendo
como como problema histórico, relação entre o presente e aquele passado.
É ensurdecedor o silêncio social, diante do desmonte do atual
governo, das conquistas alcançadas na última década. A distância do que se
produz no campo cientifico, acadêmico e intelectual, com as camadas populares, é
bastante expressivo, tanto em termos de contribuição para a consolidação da
identidade nacional, bem como para a compreensão social. É uma batalha que está
sendo perdida no campo da palavra. Genericamente falando, a situação do país
guarda fortes parentescos com as estatísticas referentes ao cinema, ou seja:
Algo em torno de 80 a 85% da população brasileira, não tem acesso ao cinema e o
mesmo, genericamente se pode dizer com relação aos bens sócios culturais.
Este cenário “extraordinário[16]”,
e ao mesmo tempo caótico, pode se configurar em momento especial, vislumbrando
outras definições do que pode vir a ser, os caminhos que os cineclubes
brasileiros a curto e médio prazo, podem trilhar. Evidente que uma eventual
vitória do “Centro-Esquerda”, alicerçada na candidatura de Luís Inácio Lula da
Silva, apontará, de um lado, para a retomada da profissionalização
individualizada prevista em Lei, e já esboçada nos governos do Partidos dos
Trabalhadores - PT ou para um misto de estatização, com algumas válvulas de
independência voluntária, subsidiada pelo mecenato público e privado, sempre
disposto e muito discretamente, apoiar iniciativas como as dos cineclubes.
Debate CineCurtasPresidenta, SP
Creio não ser essencial, este ou aquele governo se para a atividade dos cineclubes, o
filme permanecer como objeto principal da sua atitude.
[2] -
Boletim CINECLUBE, órgão do CNC, Arquivo Cineclubista do Autor
[3] A Bela
Época do Cinema Brasileiro, ARAÚJO, Vicente de Paula, Perspectiva,
1976, SP
[4] A Fascinante Aventura do Cinema Brasileiro,
SIOUZA, Carlos Roberto, Cia das Letras, 2004?
[5]
Termo cunha pelo crítico, Celso Sabadin, quando do lançamento do filme, “Saga
Crepúsculo: Eclipse”, com 692, cópias. Em seguida o filme “Rio”, desenho
animado dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, teve lançamento mundial no
Brasil com 1.000 cópias, ocupando 1/3 das salas do país.
[6]
Agência Nacional de Cinema – ANCINE, www.ancine.gov.br
[7]
Comerciais e não comerciais
[8]
Filmes financiado com verba pública
[9] -
Grifos do autor (Reorganização do Conselho Nacional, que não ocorreu e não
rearticulou os cineclubes, para depois reorganizar a entidade nacional, o que
na prática terminou por acontecer, daí o hiato entre ambos)
[10]
PIMENTEL, João Batista, rodapé de sua página de E-mail.
[11] JESUS,
Clementino de, Cineclube “Atlântico negro”, RJ, organização pessoal, do eu
sozinho.
[12] -
Ver proposta de mudança dos Estatutos, oferecida pelo cineclubista Arthur
Leandro de Belém/PA.
[13]
Carta de Tabor, edição da Federação Portuguesa de Cineclubes.
[14] -
A expressão está grafada nas publicações virtuais da entidade nacional, Sitie,
Blog, Facebook, etc.
[15] -
Posição defendida por várias instituições, juristas e parte da mídia internacional
que temos acesso.
[16] -
http://www.ebc.com.br/cultura/2014/09/cineastas-debatem-importancia-da-formacao-de-cineclubes-nas-escolas
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