quarta-feira, 31 de janeiro de 2018


Cineclube X Público  -  2º Artigo para DIARI DI CINECLUB

“Cineclube é a casa do cinema, espaço de ver, ouvir e discutir o filme, lugar onde o filme e seus personagens, vivem eternamente na memória dos seus expectadores”.
Diogo Gomes dos Santos[1]

Premissa Cineclubista
Uma das místicas que ainda permanece viva nas atividades dos cineclubes brasileiros, é sua relação com o público. Até o final da década de 1980, falou-se basicamente em formação e organização do público. O ato de ver o filme, sempre foi para o cineclubismo, o cerne do aprendizado, quando não existia o lugar da formação escolar. Mesmo depois do advento da instituição de ensino, o vazio deu lugar ao olhar e a subsequente reação crítica, proporcionada pelo debate, após a sessões dos filmes, creditou aos cineclubes, singular lugar, em todas as culturas, onde a expressão fílmica se fez presente.
Dessa perspectiva didática, pedagógica, reverberaram metodologicamente as ações cineclubistas no Brasil, que poderíamos nominar: cineclubismo utópico. Almejar que o público pudesse participar do processo criativo do principal produto da indústria cinematográfica, o filme, e uma vez, organizado, engajasse na luta maior da sociedade brasileira da época, para derrubar o Regime Militar.

Cineclube Digital - Diadema, SP

Vitoriosa esta última proposição narrativa, seu intento fora precedido de programas de exibição, lançamento e debate dos filmes sobre a situação do país, nos cineclubes e nas organizações da sociedade civil, cujo temas denunciavam diretamente o regime, como foram as jornadas populares contra a “Carestia”, a “Campanha pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita”, as denúncias contra a devastação da Amazônia, as lutas operárias, e a “Campanha pela recuperação dos filmes que foram presos pela Polícia Federal, quando esta, por duas vezes, a sede da distribuidora dos cineclubes foi invadida e sequestrados mais de 200 filmes[2].

Sala da Dinafilme, SP


Contexto da exibição cinematografia no Brasil

No Brasil, na primeira década do século XX, o cinema floresceu rapidamente, o comércio se estabeleceu e já por volta de 1909[3], o país produzia mais de 100 filmes por ano. No entanto, em 1911 chega ao Brasil a “Embaixada Americana[4]”, grupo de empresários que aqui vieram para estudar as potencialidades do nosso mercado de cinematográfico. Por volta de 1920, consolida-se o sistema de distribuição, importação e produção do cinema norte-americano no Brasil, situação que perdura até os dias atuais, uma situação de “ocupação”[5] do filme de Hollywood sobre o mercado exibidor brasileiro.


Os Cineclubes no contexto da Contemporaneidade do audiovisual
Até maio de 2014, o Brasil era, em termos individuais, o segundo mercado do filme estrangeiro, notadamente o norte-americano, em termos de ingressos vendidos. Primazia, hoje, pertencente a China.

Atualmente o mercado de salas de cinema no Brasil, segundo a Agência Nacional de Cinema - ANCINE[6] -, é da ordem de 3.000 mil salas comerciais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE -, último senso de 2016, o Brasil tem 207,6 milhões de habitantes, 5.570 municípios, e em apenas 10,4% deles, tem salas de cinema[7]. Em termo gerais, existe no Brasil, uma sala de cinema para cada 69.200 habitantes. Dos 26 Estados e Um Distrito Federal, 1/3 (um terço), delas estão localizadas no Estado de São Paulo, que, por sua vez, é o maior produtor de filmes, seguidos pelos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

A recente produção de filmes de longa-metragem[8] no país, gira em torno de 120 por ano, todos financiados por meio do mecanismo da Lei do Audiovisual, verba pública oriunda de renúncia fiscal. Desses, menos de 20% são lançados comercialmente, atingindo uma média sempre variável entre 15 a 20% das bilheterias.

Por outro lado, é incerto o número de cineclubes no país. Filiados ao Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, são por volta de 540, diz Eduardo Paes Aguiar, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros - CNCB. Mas se ampliar e contabilizar as atividades que se auto denominam cineclube, numa consulta ao Google, estes números ultrapassam as 3.000 mil salas comerciais de cinema.

A Antropia Cineclubista
Com a rearticulação dos cineclubes em 2003 e a cizânia promovida em 2004, durante a realização da 24ª Jornada Nacional, pela liderança que optou pela reorganização do Movimento, e conquistou a direção nacional do Movimento Cineclubista, em detrimento da proposição de rearticular os Cineclubes[9], como prendeu a posição excluída, nos dias atuais é possível constatar que a proposta vencedora em 2004, foi a que mais contabilizou subtrações. Com ela, os cineclubes ainda não se fizeram presente na vida cultura do cinema, que dirá do país, envolto que ficaram à mercê da pauta aventada pelo Estado. Os “conquistadores” assim como encontraram grupos produzindo, logo se apressaram a classifica-los de cineclubes, num gesto de copiar e colar, sem levar em discussão a natureza daquela atividade. Tê-la como aliada foi suficiente para incorporá-la, empolgados pelo acesso, mobilidade, baixo custo e pelo “glamour” da produção, imaginando, talvez, ser, as novas tecnologias, “a democratização dos meios de produção”, ah velho Karl, quanta ironia. Na prática, esta nova ferramenta, disponível e utilizada sem o real entendimento dos seus sentidos, atrofiou a ação cineclubista, encurralando-a na forma de organização individual, e não mais coletivo da atividade dos cineclubes.

A resultante é uma produção desprovida essencialmente de tratamento narrativo, linguístico e estético. Os cineclubistas adeptos dessa propositura, parecem dispostos a demoverem o “abnegado” Ed Wood, da primazia de seu lugar ao sol cinematográfico. O objeto filme não foi apropriado por eles, nem como criação de fatos estéticos e nem como gesto, ciência de fatos científicos.


Neste vai da valsa do copiar e colar, surge outra palavra de ordem: “Os filmes são feitos para serem vistos[10]”. A sugestão em profusão de tudo contemplar, desconsidera, nestes tempos virtuais, o processo antropofágico, tão caro aos modernistas brasileiros, o filme como meio de expressão contemporânea e a tela como fator de existência do filme. As rupturas sofridas pelo cinema, ainda não foram suficientes para ignorar a tela, como sustentáculo da indústria cinematográfica e fator de unidade do Cinema Brasileiro.  São permanências como estas, que apontam para o futuro do audiovisual. Prematuro será não considera-las, sob pena do vazio prevalecer sobre a ação. Algo parecido com o que acontece com o Movimento Cineclubista Brasileiro nestes tempos sombrios.

Tendências & Resultantes
O termo “cineuclube[11]”, já começa a ser proferido como forma de organização cineclubista, também para os que balbuciam ser esta, uma nova tendência do cineclubismo mundial, o cineclube como objeto pessoal. É algo como se fosse uma experiência que está sendo desenvolvida em função de futura tese ou, o que é mais comum, um trampolim para uma profissionalização qualificada, num campo mais de satisfação pessoal, e, quiçá, profissional.

  Cineclube Atlântico Negro, RJ

Às vésperas de realizar sua 30ª Jornada Nacional de Cineclubes (prevista para os dias 15, 16 e 17/12.17), uma saga que teve início em 1959, os cineclubes brasileiros, debatem a constituição de uma nova forma de organização estatutária, onde está questão aparece, desfocada, certamente [12].

Nesta última década da reorganização (2005/2010) veio à baila, a discussão um tanto quanto atrasada dos “direitos do público”, demanda explicitada pela Federation Internationale des Cine-clubs -  FICC -, na “Carta de Tabor[13], em 1986”. Este debate por aqui, parece ter proporcionado mais equívocos do que esclarecimentos. A palavra de ordem do CNCB é: “Nós Somos o Público[14]”. O que poderia ser uma interpretação simples da expressão, da forma como está redigida, fica a dúvida de quem é ou quem seria o “Nós”, quando questionada, não chega a ser subsidiada pelos os que a escreveram.


Campanha do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros - CNCB -, contra a ameação de extinção do Ministério da cultura, aventada pelo governo Temer.

O contexto político social brasileiro atual, é da mais profunda desordem. Crise das instituições públicas, todas desacreditadas, acusadas de envolvimento com um Golpe de Estado Parlamentar, efetivado em concluiu com a Suprema Corte, acobertada pela mídia, na prática, acompanhado de retrocessos sociais, ataques as liberdades religiosas e artísticas, embora o Estado seja laico, refluxo dos Movimentos Sociais, entrega do patrimônio público ao capital estrangeiro, avanço da extrema direita, enquanto muitos advogam, estar em vigor o “Estado de Exceção[15]”.

Nestas circunstâncias, o papel de resistência histórica dos cineclubes, diante das adversidades, sejam elas quais forem, caíram no vazio. O Movimento não produziu absolutamente nada, embora as manifestações nas redes sociais, se limitam aos “Curtir”, “Comentar” e “Compartilhar”, advogando com isso que estão do lado oposto do regime.

O que impediu e ainda impede os cineclubistas que conquistaram a direção da entidade nacional em 2004 a se apropriarem do Movimento Cineclubista Brasileiro foi o peso da história, que mesmo não o tendo como como problema histórico, relação entre o presente e aquele passado.

É ensurdecedor o silêncio social, diante do desmonte do atual governo, das conquistas alcançadas na última década. A distância do que se produz no campo cientifico, acadêmico e intelectual, com as camadas populares, é bastante expressivo, tanto em termos de contribuição para a consolidação da identidade nacional, bem como para a compreensão social. É uma batalha que está sendo perdida no campo da palavra. Genericamente falando, a situação do país guarda fortes parentescos com as estatísticas referentes ao cinema, ou seja: Algo em torno de 80 a 85% da população brasileira, não tem acesso ao cinema e o mesmo, genericamente se pode dizer com relação aos bens sócios culturais.

Este cenário “extraordinário[16]”, e ao mesmo tempo caótico, pode se configurar em momento especial, vislumbrando outras definições do que pode vir a ser, os caminhos que os cineclubes brasileiros a curto e médio prazo, podem trilhar. Evidente que uma eventual vitória do “Centro-Esquerda”, alicerçada na candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, apontará, de um lado, para a retomada da profissionalização individualizada prevista em Lei, e já esboçada nos governos do Partidos dos Trabalhadores - PT ou para um misto de estatização, com algumas válvulas de independência voluntária, subsidiada pelo mecenato público e privado, sempre disposto e muito discretamente, apoiar iniciativas como as dos cineclubes.

Debate CineCurtasPresidenta, SP

Creio não ser essencial, este ou aquele  governo se para a atividade dos cineclubes, o filme permanecer como objeto principal da sua atitude.





[2] - Boletim CINECLUBE, órgão do CNC, Arquivo Cineclubista do Autor
[3] A Bela Época do Cinema Brasileiro, ARAÚJO, Vicente de Paula, Perspectiva, 1976, SP
[4] A Fascinante Aventura do Cinema Brasileiro, SIOUZA, Carlos Roberto, Cia das Letras, 2004?
[5] Termo cunha pelo crítico, Celso Sabadin, quando do lançamento do filme, “Saga Crepúsculo: Eclipse”, com 692, cópias. Em seguida o filme “Rio”, desenho animado dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, teve lançamento mundial no Brasil com 1.000 cópias, ocupando 1/3 das salas do país.
[6] Agência Nacional de Cinema – ANCINE, www.ancine.gov.br
[7] Comerciais e não comerciais
[8] Filmes financiado com verba pública
[9] - Grifos do autor (Reorganização do Conselho Nacional, que não ocorreu e não rearticulou os cineclubes, para depois reorganizar a entidade nacional, o que na prática terminou por acontecer, daí o hiato entre ambos)
[10] PIMENTEL, João Batista, rodapé de sua página de E-mail.
[11] JESUS, Clementino de, Cineclube “Atlântico negro”, RJ, organização pessoal, do eu sozinho.
[12] - Ver proposta de mudança dos Estatutos, oferecida pelo cineclubista Arthur Leandro de Belém/PA.
[13] Carta de Tabor, edição da Federação Portuguesa de Cineclubes.
[14] - A expressão está grafada nas publicações virtuais da entidade nacional, Sitie, Blog, Facebook, etc.
[15] - Posição defendida por várias instituições, juristas e parte da mídia internacional que temos acesso.
[16] - http://www.ebc.com.br/cultura/2014/09/cineastas-debatem-importancia-da-formacao-de-cineclubes-nas-escolas

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