A CONTEMPORANEIDADE DOS CINECLUBES
A atividade dos cineclubes estão presente na sociedade brasileira, a partir da primeira década do século vinte, quando em 1917 o Cineclube Paredão, no Rio de Janeiro, dava seus passos iniciais. Desde os seus primórdios, o DNA da desobediência civil, é marca indelével da atividade cineclubistas no Brasil. É verdade que existe um certo otimismo nesse aforismo, se tomarmos como referência a primeira investida da ação repressiva do Estado brasileiro, contra a atividade dos cineclubes, ocorrida em 1940, quando o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP –, do governo Vargas, proibiu a sessão inaugural do Clube de Cinema de São Paulo. As atividades do Clube só foram retomando seis anos depois.
Jornada Nacional de Cineclubes, 1981, Campo Grande, MT
Cineclube, este organismo vivo da sociedade tem sua presença registrada, por meio da ação de exibição de filmes, acompanhada de debate, recurso pedagógico que visa formar, informar, divertir e instruir o público, para subverter a sociedade.
Desde a década
de 1950, que suas ações se notabilizam e sua organização atinge o território
nacional, entidades que os representam foram criadas, tanto nos Estados como a nível nacional,
transformando estas manifestações em um movimento organizado, com pautas
próprias, expondo para o conjunto da sociedade, questões sócio culturais relevantes
do país.
O
desenvolvimento do movimento encontrou terreno fértil no encontro dialógico do
filme na tela com o público. Superamos a fase importante no campo da
contemplação e da apreciação artística da arte fílmica. Por outro lado, no
campo social, esta mesma atividade alcançou dimensão política, ao se enfileirar
nas comunidades periféricas urbanas, nas cidades do interior, nos sindicatos,
movimentos sociais, nas escolas, nas comunidades indígenas, quilombolas,
comunidades LGBTI+, em setores marginalizados e criminalizados socialmente,
numa época em que o país estava submetido ao regime de exceção, com a
instalação da Ditadura Civil/Militar, a onde a constituição, a ciência e a
cultura não faziam parte da vida civilizada do país.
Perseguidos, o movimento cineclubista foi fechado pela ação truculenta da Ditadura Militar, por duas
vezes a distribuidora de filmes dos cineclubes foi invadida pela Polícia
Federal, prendendo mais de oitenta por cento do seu acervo. Contra-atacamos, empunhamos campanha nacional contra a Censura, os filmes brasileiros foram devolvidos a Dinafilme e os estrangeiros, sob a recomendação de não mais voltarem para os cineclubes, foram entregues a Cinemateca Brasileira. Naquela período, filmes,
cineclubistas, projetores, telas, cartazes, folhetos eram presos, mutilados,
cerceados, enquanto contra-atacávamos com mais filmes nas telas e novamente reagimos, trouxemos clandestinamente para o Brasil, filmes proibidos de Cuba, das guerrilhas da Nicarágua, El Salvador, Peru, Eritréia, Vietnam, filmes das guerras de libertação de Angola, Moçambique. Fomos para ofensiva e lançarmos os filmes sobre as greves do ABC paulistas, além de vários filmes brasileiros procurados pela Polícia Federal, apesar de ter Certificado Especial da Censura para cineclubes.
Cartazes de filmes distribuídos pela Dinafilme
No entanto, nenhum fato ou acontecimento provocado pela ação do homem ou por fenômeno da natureza, foi capaz de inibir a ação dos cineclubes. Muitas vezes ela foi interrompida temporariamente pela ação violenta da ignorância, esta sim uma ameaça, aliada da Censura, do negacionismo, mesmo assim alguns cineclubes sobreviveram. Em outra oportunidade, a organização do Movimento hibernou por uma década, a de mil novecentos e noventa, por miopia da liderança dos próprios cineclubes, mas outros continuaram existindo e diversos surgiram no bojo da transição do cinema analógico para o Digital e da atividade presencial para a virtual, mas a atitude cineclubista nunca padeceu.
29º Jornada Nacional de Cineclubes, Itaparica, BA, 2015
Hoje como ontem e amanhã mais do hoje, a atividade cineclubista se torna tão necessária, principalmente diante de um governo negacionista, incapaz de governar o país para o conjunto da sociedade, um governo que despreza a democracia, a educação, a ciência, a cultura, a vida, destruindo o processo civilizatório que o país já havia alcançado.
Feijão no
prato, filme na tela, livro na mão, são ferramentas para mantermos vivos,
atentos, fortes, íntegros para celebrarmos a reconstrução da nação. Eles
passarão, estaremos aqui, em nossas barricadas, aprendendo a reaprender
cineclubar, ávidos para recomeçar, tudo outra vez!
Inverno, 06 de setembro de 2021
Diogo Gomes dos Santos
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