terça-feira, 17 de agosto de 2010

Apontamentos para uma Crônica sobre o filme:



De Olho na Rua - Ficção, 100 min. Br/2010

Argumento e Direção: Rogério Corrêa
Roteiro: Di Moretti
Trilha Sonora: Pipo Pegoraro
Montagem: Idê Lacreta
Produção Executiva: Jorge Guedes
Elenco: Murilo Rosa, Paschoal da Conceição, Angela Barros
Distribuidora: Polifilmes
Previsão de Lançamento: 2011


Depois de mais de 30 curtas e médias realizados, há vinte anos na batalha para realizar seu primeiro longa-metragem, formado pela ECA-USP, esperou três anos para captar os recursos, fez a pré-produção em quatro semanas, filmou em Super 16mm, em quatro semanas, editou/montou, finalizou em 35mm, som Dolby Digital 5.1, em oito semanas, estourou a produção em 01h40, gastou R$ 940.000,00, produziu o filme sem deixar nenhuma divida, o que não é pouco.

O filme tem distribuidora, foi selecionado para o Festival de Montreal, para a sessão “Primeiro filme” e ontem, o público que esteve presente na sessão promovida pelo CECISP, ouviu do diretor, que fez opção pelo cinema, depois de assistir ao filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” de Glauber Rocha, numa sessão em 16mm, projetada por um projetor Bell & House, no Cineclube do Colégio Notre Dame. O filme tinha dois carretéis – recipiente onde o filme é enrolado, com uma parada para troca de carretel, ele era o quarto espectador. Depois do filme, teve o debate sobre o filme.


Este é Rogério Corrêa, um cineasta brasileiro, que nos brindou com um filme primoroso, digno de um veterano e com muito a dizer. Antes de começar a sessão, ele nos mandou um recado: “Acho fundamental a atividade dos cineclubes. Acho que deveria ser mais profissional, dar mais retorno aos realizadores, não financeiro, mas com informações sobre o filme projetado, número de público e suas opiniões sobre o filme. A ANCINE só considera público, aquele que paga ingresso, no entanto, os filmes que são projetados, ao ar livre, por exemplo, com mais de 2.000 pessoas por sessão, não são considerados público. Para nós é público sim”.


Além dos Cineclubes e além da tal Intrusão Normativa da ANCINE – que regula a atividade dos cineclubes – o público dos Pontos de Cultura, escolas, projetos culturais, educacionais, sociais, atividades de lazer, etc. somam-se entre estes que não são contabilizados, mas espero serem considerados pelo Estado.


Mas, esta conversa começava a versar sobre o filme No Olho da Rua do Rogério Corrêa, que abre com uma cena antológica e só por ela, acho que o filme vale conferi. O argumento de Rogério é roteirizado por Di Moretti, o que nos garante uma história bem amarrada, montado por Idê Lacreta, em mais uma performance brilhante. Finalmente um ator; Murilo Rosa, além, muito além da televisão, com grandes possibilidades cinematográficas; Paschoal da Conceição, assim que vamos convivendo com seu personagem, esquecemos do Dr. Abobrinha, dos nossos sonhos infantis e passamos a acompanhar um operário metalúrgico, militante sindical e que aos poucos se transforma num fanático Pastor Evangélico convincente. O filme tem um elenco coeso, onde a mão do diretor se faz presente todo o tempo, num desenrolar às vezes tenso, divertido, trágico.


O enredo do filme lida com a história de um operário metalúrgico, médio, com vinte anos trabalho registrado na mesma fábrica, cujo circulo de amizade se resume a dois amigos, apático, reduzido ao seu mundinho familiar, com a mulher as vésperas de ganhar o segundo filho, que de repente fica desempregado, um retrato comum do brasileiro, sem o menor senso de articulação. Mesmo assim, consegue uma espécie de sociedade com Algodão, um estudante de cinema que quer fazer um filme verdadeiro e ver nele o personagem ideal. Ambos começam a se virar com uma camionete, fazendo carretos, bicos, mas que aos poucos perde o que ainda lhe resta, a família. Vivendo na rua ele parte para recuperar seu emprego de volta.


O filme suscita algumas perguntas, desde aquelas internas, se entre si, uma cena tem liga com a outra, se o tempo do filme guarda verossimilhança e assim vai. Eu acho que tem. A função do filme não é resolver ou possibilitar ao espectador, fazer o seu filme ou que o filme resolva esse ou aquele problema do jeito que "certos" espectadores querem. O filme é um produto acabado e é salutar que assim ele seja visto, discutido...


No entanto o país vive um dos seus melhores momentos econômicos, somos uma nação emergente, em poucos tampos, saímos da condição de subdesenvolvido, para uma das maiores economias do planeta e aí nos perguntamos: quantas pessoas vivem nas ruas de nossas cidades? em São Paulo? A resposta mais próxima da realidade a esta pergunta é simplesmente acachapante. Quantos? Dois milhões, três, ou vamos acreditar na última pesquisa, que apontava para quatro milhões! A estimativa de quem trabalha com esta população, chega de oito a dez milhões de pessoas vivendo nas ruas de São Paulo. E no resto do país, quantas são?


No Olho da Rua é um filme que ousa, dentro das diversas possibilidades que os cineastas brasileiros vêm experimentando, agendar um tema caro a toda pessoa, a questão do trabalho como identidade cidadã, um assunto que nunca saí da pauta, mas que vez ou outra, fica pra depois. Previsto para ser lançado no próximo ano, ele agora concorre o chamado circuito dos Festivais, em busca de adjetivos de qualidade que os habilite a uma data na grade dos cinemas, para que o público possa conhecê-lo. Pessoalmente acho que o filme merece alguns desses adjetivos!





Impressões sobre a sessão do filme NO OLHO DA RUA de Rogério Corrêa

Carolina - Você acredita que ações como a da última sexta-feira (13.08.10), promovida pelos Cineclubes Lunetim Mágico em parceria com o Centro Cineclubista, é importante para promover um filme e por sua vez difundir a divulgação do mesmo em âmbito nacional?


Diogo – Ações como estas são fundamentais, porque um filme quando entra em cartaz e vem com alguma referência; tipo prêmios, críticas favoráveis ou recomendações de amigos, têm sempre uma melhor chance de ser mais visto. Mesmo quando um filme entra em exibição, com um grande aparato publicitário, ele precisa agradar o espectador e este recomendá-lo a um outro amigo, caso contrário, ele afunda, como se diz.
Um outro aspecto dessa questão é a crítica ao filme. Ela induz o espectador ir ou não ver aquele filme. É muito fácil atribuir o fracasso de um filme a uma atividade como esta promovida pelo Centro Cineclubista, com apoio dos Cineclubes Lunetim Mágico; CineMulher; Sanbene; Latinoamérica e Baixo Augusta. Um filme só sobrevive, quando o público lhe confere perenidade e esta é a atividade primordial dos cineclubes; discutir a sociedade por meio do cinema.

Carolina - Qual sua impressão sobre a apresentação do filme? Entre os presentes você sentiu interesse pela história?

Diogo – Primeiro acho salutar registrar que o filme foi muito bem aplaudido ao término da última imagem. Ficaríamos ali muito mais horas discutindo a história do filme. Alguns aspectos do filme ganharam certa unanimidade: Que a história, o tema em si é um ponto positivo; o filme tem um elenco coeso; “sente-se a mão do diretor”; O protagonista vivido pelo ator Murilo Rosa (um global) surpreendeu a todos, está além, muito além da televisão. Acrescento que tem boas características, cinematográficas; a montagem afinadíssima de Idê Lacreta confere ao filme outro ponto super-bacana; roteiro redondo de Di Moretti; trilha sonora ajustada à atmosfera do filme, a música final tem grande chances de ganhar o mercado fonográfico. Claro também, que numa platéia de cineclubistas, o coro come. Alguns levantaram, com suas razões, certo descompasso entre o tempo cinematográfico e o tempo dos acontecimentos, mudanças rápidas na transformação de alguns personagens, criando certos incômodos, o que para os próprios argumentistas, diziam: “isso é bom para o filme”.


Falando mais em termos pessoais, penso que é o tipo de filme que tem vocação para ganhar perenidade, melhor dizendo, o filme pela natureza do seu tema, a questão do trabalho como identidade cidadã do indivíduo, terá dificuldade de ser assimilado pela grande massa, pelo menos de imediato, mas tem enormes possibilidades de sobreviver a “verões cinematográficos”, principalmente nos circuitos dos Cineclubes, Pontos de Cultura, Escolas, Sindicatos, aqui quero abrir mais um parênteses “este filme aponta uma enorme necessidade das Centrais Sindicais ampliarem suas atividades junto aos Sindicatos e de estes desenvolverem junto aos seus filiados, um trabalho de fomento a atividade cultural, principalmente com a criação de um Circuito de Cineclubes”. Quero dizer que é um filme que será sempre exibido onde houver um sopro de inteligência.


Carolina - Para você, o que é necessário para um retorno melhor (com relação a bilheterias) do cinema no Brasil?

Diogo – Carolina, como você está usando os termos “bilheteria” e “cinema no Brasil”, que eu entendo como sendo uma referência ao “Filme Brasileiro”, vou direto na jugular, como diria o Velho Moringueira: filmes que abordem história, fatos conhecidos da grande massa, tratado de maneira simples, exemplo; O Ébrio; Dona Flor e seus Dois Maridos; Carandiru; Dois Filhos de Francisco; Tropa de Elite... fizeram a diferença. Só que estes filmes são exceção à regra, entre O Ébrio, um filme de Gilda de Abreu de 1946 e Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno Barreto de 1976, não existe só 30 anos entre eles, tem aí a Vera Cruz, A Chanchada, Oscarito e Grande Otelo, o Cinema Novo, Mazzaropi, a Embrafilme. Entre Carandiru, Dois Filhos de Francisco e Tropa de Elite, além de Xuxa e os Trapalhões, existe também a ausência de uma política pública, como uma questão de Estado, voltada para o Cinema Brasileiro, existem também mais de uma centena de filmes brasileiros nas prateleiras das distribuidoras estrangeiras, esperando uma data de lançamento e outros que nem distribuidora tem.
Enquanto isso, temos mais de duzentos Festivais e Mostras de Cinema e Vídeo por ano e 2.200 salas de exibição no país. Ou seja: Assim como o aluno, o espectador para o Filme Brasileiro também precisa ser formado.


Sugestão: Precisamos criar uma legislação especifica para amparar o Cineclubismo, redirecionando projetos como os da Agência Nacional de Cinema - ANCINE -, especialmente o “Cinema Perto de Você” e “Cinema da Cidade”, em política pública de cineclubismo. Aí, daqui há uns 05 a 10 anos, começaríamos a ter uma chance de público significativo para o Cinema Nacional.


De Olho na Rua - Ficção, 100 min. Br/2010
Argumento e Direção: Rogério Corrêa
Roteiro: Di Moretti
Trilha Sonora: Pipo Pegoraro
Montagem: Idê Lacreta
Produção Executiva: Jorge Guedes
Elenco: Murilo Rosa, Paschoal da Conceição, Angela Barros
Distribuidora: Polifilmes
Previsão de Lançamento: 2011


Sobre o filme:

Oton, 38 anos, metalúrgico, casado com Camila, é demitido da empresa em que trabalha há vinte anos e começa a trabalhar fazendo carretos com sua pick-up. Ao ter seu carro roubado, não consegue mais sustentar a família e é abandonado pela mulher, que leva os dois filhos. Sem condições de pagar o aluguel, é despejado e vai dormir na rua até que resolve voltar à fábrica para exigir seu emprego de volta.




Sobre o diretor:

Rogério Corrêa é formado em cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1980). É sócio da Leão Filmes desde 1985. Dirigiu os documentários "Roças", "Tem Coca-Cola no Vatapá" (co-direção de Pedro Farkas), "Os Queixadas", "Na Garupa de Deus", A Civilização do Cacau", "Antes do Futuro" e "Carpinteiros do Mar". E também os curtas de ficção "Negra Noite" e "Ícaro".

Seu mais recente documentário, "Duplo Território" foi selecionado para a Competição Internacional do Golden Apricot - Festival Internacional de Cinema de Yerevan (Armênia), julho de 2010.

"No Olho da Rua" é seu primeiro longa e vai participar da Competição Mundial de Primeiros Filmes do Festival de Montreal, no início de setembro próximo.



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