A Crise estrutural do Movimento
Cineclubista
“Resgatar as memórias, as raízes do cineclubismo brasileiro,
é passo firme a ser dado, é mastro a ser fincado neste chão.”
Dois Passos a traz.
Quando do
processo de rearticulação do Movimento Cineclubista, a questão da estrutura
organizacional foi um ponto colocado em discussão, por considerá-lo
ultrapassado. A contra posição de continuar igual, prevaleceu, independente dos
meios que foram utilizados para manter a mesma estrutura. Não é propósito aqui
voltar a discutir a conduta ética e moral da posição continuísta. Fato é o que
aí está. O modelo de organização do Movimento Cineclubista Brasileiro é o mesmo
desde 1874. Por si só o modelo não é o problema. Sua conduta sim é objeto deste
texto, que tem a intenção de contribuir com o debate.
A
árvore genealógica do cineclubismo é assim constituída: Cineclubes, entidade de
organização de base; Federações, órgão representativo por estado e o Conselho
Nacional de Cineclubes – CNC -, instância máxima de representação nacional
(ambas no Brasil só podem ser um). A nível internacional existe o Secretariado
para cada continente (o nosso é o da América Latina e Caribe). Esta secretaria representa
o continente junto a Federação Internacional de Cineclubes – FICC -.
Nos
cineclubes brasileiros votam os seus associados, nas assembléias das Federações
e/ou Associações e na do Conselho Nacional, vota a entidade cineclube, por meio
de um representante, cada cineclube um voto. A entidade estadual não tem
direito a voto nas assembléias do CNC. Nas da FICC votam as entidades
nacionais, por país que pode ser mais de uma.
Quando
da fundação do CNC, 1962 e até 1968, existia a figura do voto por procuração.
Com a mudança dos estatutos em 1974, o estatuto foi modificado e esta
prerrogativa caiu.
Os
estatutos do CNC sempre excluíram a possibilidade de existência de mais de uma
Federação por Estado e uma nacional. Este princípio de organização ficou bem
sedimentado, a partir de fevereiro de 1974, quando foi adotado este o conceito
de entidade única, semelhante, mas não igual, a forma de organização do partido
único e que permanece até os dias atuais.
Em
1974 já na primeira Jornada de reorganização – a 8ª na linha cronológica da
entidade – reorganizou-se o CNC. Em 2003 durante a realização da 24ª Jornada ma
linha cronológica – decidiu-se pela rearticulação dos cineclubes e na Jornada
seguinte, a 25ª, realizada em 2004, decidiu-se também pela reorganização da
entidade nacional, ignora o contexto histórico e o momento atual dos cineclubes,
contra a posição de parte da plenária. O resultado disso foi que durante o ano
de 2005, a Diretoria eleita, não conseguiu reorganizar o Conselho Nacional de
Cineclubes. Na 26ª Jornada Nacional de 2006, criou-se outra entidade, o
Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, uma nova entidade, com o mesmo
aspecto do anterior, mas prevalecendo o espectro, a imagem incorpórea do
falecido.
A 28ª Jornada Nacional,
realizada em 2010, modifica os estatutos e de quebra, esfrangalha um dos
princípios pilares dos cineclubes brasileiros; a “democracia interna”,
princípio louvável da entidade única, embora sua prática seja bastante
discutível.
A ideia básica desse
conceito e: para se formar um cineclube é necessário um mínimo de três pessoas.
Na hora da decisão, dois é maioria, a outra posição, tem que aceitar a decisão
da maioria, a democracia se legitima e a minoria está representada no seio da
organização. Por este princípio, um cineclube poderia ter mais de dois
associados concorrentes em programas divergentes, numa chapa de eleição para a
entidade nacional. Era assim antes de 2006.
Hoje este princípio não se aplica
mais. “Um mesmo cineclube ou qualquer de seus representantes não pode
participar da composição de mais de uma chapa.” Isso é uma clara interferência
da entidade nacional, na vida organiza da entidade de base, o cineclube. Esta
interferência, eliminar a questão mais importante do cineclube, sua liberdade
de escolha, o outro, o diferente passa a ser ignorado, desqualificado e o
princípio democrático – interno – de cada cineclube, foi-lhe retirado. Está no
estatuto, artigo 36º, Parágrafo Único.
Aí estar o germe da
crise. É voz uníssona que Os cineclubes são constituídos de maneiras diversas,
cada um, de acordo com sua realidade, se organiza do seu jeito à sua maneira, resguardada
a ideia primeira de um Movimento democrático, essencial para a preservação e
aprofundamento da democracia, no processo de construção de uma sociedade
fraterna, igualitária e soberana.
Portanto,
faz sentido a discussão da tal “crise do movimento”, desde que colocada em seu
devido lugar. O modelo de organização das entidades representativas do
movimento, que salvo exceções, serve também para as entidades estaduais e para
alguns cineclubes. O manifesto “Começar de novo, Um manifesto cineclubista paulista”
é deste ponto de vista, um primor, seu receituário de como deve se organizar,
de novo, os cineclubes, é inequívoco.
O
exemplo de São Paulo é cristalino para se compreender a tal crise do Movimento.
Aqui os representantes deste conceito, em duas iniciativas “bandeirantes” criaram
por duas vezes, duas federações. A primeira foi uma tentativa, também frustrada
de reorganizar o passado, os feitos históricos da Federação Paulista de
Cineclubes, não conseguiram. Depois criaram outras duas, ambas estão inativas.
Portanto é peremptoriamente verdadeira a afirmativa que desde ponto de vista,
São Paulo está desorganizado.
Com
a aproximação da 29ª Jornada, de eleição, alardear-se em ritmo frenético, a tal
crise, onde se constrói um clima nebuloso, de desorganização, incompetência
estabelece o caos, apontam-se as falhas, erros e desse caldo, surge à figura do
“bode expiatório”, para expurgar os “maus cineclubes ou cineclubistas”. O passo
seguinte é também construir, como é a tentativa, outra figura, que pode ser
individual ou de um grupo dos “salvadores da pátria’, que invariavelmente, são
lobos em pele de cordeiros.
Depois
de 10 anos da rearticulação, este modelo, mais uma vez foi parar na UTI. Ainda
não morreu porque, os pulmões – cineclubes – a revelia, estão funcionando.
Algumas
perguntas talvez contribuam para aprofundar o debate e melhor compreender a
situação. Na sua pujança de crescimento, os dirigentes da entidade nacional,
aproximaram-se bastante do Estado, via Ministério da Cultura e participa de algumas
instâncias “consultivas” de sua estrutura, o que é muito bom. Tanto é que reivindicou
e conseguiram criar a Instrução Normativa nº 63, da Agência Nacional de Cinema
– ANCINE -. Quantos cineclubes a ela se registraram e quais os benefícios para
o conjunto dos cineclubes, do Movimento?
Neste
bojo, veio também com apoio da entidade nacional, a Programadora Brasil, que
tirou dos cineclubes a autonomia da programação, acrescentou-lhes custos pelo
uso de conteúdos, inclusive de filmes produzidos há mais de 50 anos, proibiu os
cineclubes que quisessem cobrar uma “Taxa de Manutenção”. Estas iniciativas são
positivas para os cineclubes? O “Cine+ Cultura” justifica tudo isso? Qual seu
significado para os cineclubes? E a programadora, atende as necessidades de programação
dos cineclubes?
Depois
da Jornada de Moreno/PE, 2010, criou-se a figura do Presidente de Honra para a
Entidade Nacional. Se a decisão foi referendada pela plenária ou se foi convite
da Diretoria Executiva, não importa. Importa saber que o convidado foi o
cineasta Silvio Tendler e sobre todo e qualquer aspecto, melhor indicação
impossível, mas porque não foi efetivado no cargo?
“Nunca
na história entidade nacional, uma diretoria não conseguiu realizar uma Jornada
e pela primeira vez, realizou uma Assembléia Geral Ordinária de eleição, isolada
da Jornada, criando mais confusão para um Movimento em situação bastante controversa.
Nesta última década, o que propõe ou o que propôs este Movimento para a
sociedade brasileira, para o cinema. No campo do conhecimento, da pesquisa, da
memória, conservação e difusão, o que foi e o que está sendo feito, proposto...
Quantas
vezes, nestes 10 anos, a entidade nacional conseguiu por seus meios, reunir a
diretoria presencialmente, incluindo, inclusive as Jornadas? Não se questiona
aqui reuniões por Skype, mas sim um modelo de estrutura para um Movimento
“sócio-cultural”, que se dizer revolucionário, num país continental como o
nosso, sequer consegue se encontra em reunião de gestão.
Ao
eleger este modelo, seus representantes lideram, conduzem o processo assumem e
tomam decisões. Assim em 2004, foi eleito um ex-presidente, autentica liderança
deste modelo. Presidiu a entidade por cinco anos, quando os estatutos, prevêem
quatro. Ele é o mesmo que no final do século passado, mal passou as chaves para
o seu legítimo sucesso, que se quer apagou as luzes deixadas por aquele. Estas
mesmas lideranças assumiram a liderança do Movimento, nesta última década,
fizeram sucessores, até a bancarrota da não realização da 29ª Jornada prevista
pelos estatutos. Pelo temário da próxima Jornada, este assunto passará longe do
debate, ou sua urgência o colocará no olho do furação?
Quem
são os autores do manifesto “Começar de Novo, Um manifesto cineclubista
paulista”, por acaso não fazem eles parte daquele mesmo grupo?
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“O cineclube é a expressão mais
nítida de enraizamento
da cultura cinematográfica em
qualquer comunidade”.
Kuperman, Mário, “O cineasta vesgo”, Artigo publicado
no
Jornal da 15ª Jornada Inter. de Cinema da Bahia,
1986.
Um passo a frente.
Há
que se levar em consideração às novas realidades tecnológicas do cinema e sua
mobilidade; o momento político em que vive o país, onde o conceito de
democracia representativa em vigor é tão, limítrofe que as ruas viraram palco
de democracia direta. No que pese os avanças sociais alcançados pela gestão dos
últimos 11 anos da gestão governamental do país, como se coloca o Movimento
cineclubista hoje para a sociedade brasileira?
Um
movimento espontâneo como o cineclubista, comporta em seu interior, uma dose
bastante razoável de incertezas, boa parte deles quando surgem, nem sempre
consegue organizar-se com Estatutos, Diretoria, Conselho Fiscal, estes, que
foram elementos pilares do Movimento Cineclubista e que hoje estão em cheque. Os
cineclubes são efêmeros, se organizam e morrem com a mesma espontaneidade, como
diz um amigo cineclubista paulista: “O índice de mortalidade infantil dos
cineclubes é muito alto, é assustador”, mas, nem por isso, menos importantes.
Este é um quadro a ser pensado e revertido com premência.
As
ações do movimento cineclubista no brasileiro, sempre foram muito tímidas com
relação à formação de público. Ela é notória na formação de quadros. Se não
todos, quase todos os cineastas do “Cinema Novo” se formaram nos cineclubes, as
duas maiores Cinematecas foram criadas por iniciativa cineclubista, assim como
vários festivais de cinema, a começar por Gramado, Brasília, Jornada de Cinema
da Bahia, Festival do Rio, etc., professores, críticos, pesquisadores,
administradores, exibidores, são exemplos dos mais significativos.
O
que permanece ainda como objeto primeiro da atividade cineclubista é o filme,
mas será que ele, enquanto expressão de formação, informação, conteúdo
pedagógico, expressão política, social, cultural... É representativo da nossa
sociedade. O filme brasileiro representa na tela o projeto dos cineclubes?
Aquela
estrutura hoje, não tem correspondido às necessidades, tanto do Movimento como
dos Cineclubes. Pensar um novo modelo de estrutura, com novas possibilidades de
representação, que contemple a diversidade cultural de cada cineclube, que
conviva com as diferenças, onde as minorias sejam forças vivas e não suporte de
sobrevivência da maioria é desafio a ser enfrentado.
Anotem,
para que fique registrado nas mentes e impresso nos corações: Está viva, mais
do que nunca à atitude cineclubista!
Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista
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