terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Crise estrutural do Movimento Cineclubista


“Resgatar as memórias, as raízes do cineclubismo brasileiro,
é passo firme a ser dado, é mastro a ser fincado neste chão.”

Dois Passos a traz.
Quando do processo de rearticulação do Movimento Cineclubista, a questão da estrutura organizacional foi um ponto colocado em discussão, por considerá-lo ultrapassado. A contra posição de continuar igual, prevaleceu, independente dos meios que foram utilizados para manter a mesma estrutura. Não é propósito aqui voltar a discutir a conduta ética e moral da posição continuísta. Fato é o que aí está. O modelo de organização do Movimento Cineclubista Brasileiro é o mesmo desde 1874. Por si só o modelo não é o problema. Sua conduta sim é objeto deste texto, que tem a intenção de contribuir com o debate.

A árvore genealógica do cineclubismo é assim constituída: Cineclubes, entidade de organização de base; Federações, órgão representativo por estado e o Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -, instância máxima de representação nacional (ambas no Brasil só podem ser um). A nível internacional existe o Secretariado para cada continente (o nosso é o da América Latina e Caribe). Esta secretaria representa o continente junto a Federação Internacional de Cineclubes – FICC -.

Nos cineclubes brasileiros votam os seus associados, nas assembléias das Federações e/ou Associações e na do Conselho Nacional, vota a entidade cineclube, por meio de um representante, cada cineclube um voto. A entidade estadual não tem direito a voto nas assembléias do CNC. Nas da FICC votam as entidades nacionais, por país que pode ser mais de uma.

Quando da fundação do CNC, 1962 e até 1968, existia a figura do voto por procuração. Com a mudança dos estatutos em 1974, o estatuto foi modificado e esta prerrogativa caiu.

Os estatutos do CNC sempre excluíram a possibilidade de existência de mais de uma Federação por Estado e uma nacional. Este princípio de organização ficou bem sedimentado, a partir de fevereiro de 1974, quando foi adotado este o conceito de entidade única, semelhante, mas não igual, a forma de organização do partido único e que permanece até os dias atuais.

Em 1974 já na primeira Jornada de reorganização – a 8ª na linha cronológica da entidade – reorganizou-se o CNC. Em 2003 durante a realização da 24ª Jornada ma linha cronológica – decidiu-se pela rearticulação dos cineclubes e na Jornada seguinte, a 25ª, realizada em 2004, decidiu-se também pela reorganização da entidade nacional, ignora o contexto histórico e o momento atual dos cineclubes, contra a posição de parte da plenária. O resultado disso foi que durante o ano de 2005, a Diretoria eleita, não conseguiu reorganizar o Conselho Nacional de Cineclubes. Na 26ª Jornada Nacional de 2006, criou-se outra entidade, o Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, uma nova entidade, com o mesmo aspecto do anterior, mas prevalecendo o espectro, a imagem incorpórea do falecido.
A 28ª Jornada Nacional, realizada em 2010, modifica os estatutos e de quebra, esfrangalha um dos princípios pilares dos cineclubes brasileiros; a “democracia interna”, princípio louvável da entidade única, embora sua prática seja bastante discutível.

A ideia básica desse conceito e: para se formar um cineclube é necessário um mínimo de três pessoas. Na hora da decisão, dois é maioria, a outra posição, tem que aceitar a decisão da maioria, a democracia se legitima e a minoria está representada no seio da organização. Por este princípio, um cineclube poderia ter mais de dois associados concorrentes em programas divergentes, numa chapa de eleição para a entidade nacional. Era assim antes de 2006. 

Hoje este princípio não se aplica mais. “Um mesmo cineclube ou qualquer de seus representantes não pode participar da composição de mais de uma chapa.” Isso é uma clara interferência da entidade nacional, na vida organiza da entidade de base, o cineclube. Esta interferência, eliminar a questão mais importante do cineclube, sua liberdade de escolha, o outro, o diferente passa a ser ignorado, desqualificado e o princípio democrático – interno – de cada cineclube, foi-lhe retirado. Está no estatuto, artigo 36º, Parágrafo Único.

Aí estar o germe da crise. É voz uníssona que Os cineclubes são constituídos de maneiras diversas, cada um, de acordo com sua realidade, se organiza do seu jeito à sua maneira, resguardada a ideia primeira de um Movimento democrático, essencial para a preservação e aprofundamento da democracia, no processo de construção de uma sociedade fraterna, igualitária e soberana.

Portanto, faz sentido a discussão da tal “crise do movimento”, desde que colocada em seu devido lugar. O modelo de organização das entidades representativas do movimento, que salvo exceções, serve também para as entidades estaduais e para alguns cineclubes. O manifesto “Começar de novo, Um manifesto cineclubista paulista” é deste ponto de vista, um primor, seu receituário de como deve se organizar, de novo, os cineclubes, é inequívoco.

O exemplo de São Paulo é cristalino para se compreender a tal crise do Movimento. Aqui os representantes deste conceito, em duas iniciativas “bandeirantes” criaram por duas vezes, duas federações. A primeira foi uma tentativa, também frustrada de reorganizar o passado, os feitos históricos da Federação Paulista de Cineclubes, não conseguiram. Depois criaram outras duas, ambas estão inativas. Portanto é peremptoriamente verdadeira a afirmativa que desde ponto de vista, São Paulo está desorganizado.

Com a aproximação da 29ª Jornada, de eleição, alardear-se em ritmo frenético, a tal crise, onde se constrói um clima nebuloso, de desorganização, incompetência estabelece o caos, apontam-se as falhas, erros e desse caldo, surge à figura do “bode expiatório”, para expurgar os “maus cineclubes ou cineclubistas”. O passo seguinte é também construir, como é a tentativa, outra figura, que pode ser individual ou de um grupo dos “salvadores da pátria’, que invariavelmente, são lobos em pele de cordeiros.

Depois de 10 anos da rearticulação, este modelo, mais uma vez foi parar na UTI. Ainda não morreu porque, os pulmões – cineclubes – a revelia, estão funcionando.

Algumas perguntas talvez contribuam para aprofundar o debate e melhor compreender a situação. Na sua pujança de crescimento, os dirigentes da entidade nacional, aproximaram-se bastante do Estado, via Ministério da Cultura e participa de algumas instâncias “consultivas” de sua estrutura, o que é muito bom. Tanto é que reivindicou e conseguiram criar a Instrução Normativa nº 63, da Agência Nacional de Cinema – ANCINE -. Quantos cineclubes a ela se registraram e quais os benefícios para o conjunto dos cineclubes, do Movimento?

Neste bojo, veio também com apoio da entidade nacional, a Programadora Brasil, que tirou dos cineclubes a autonomia da programação, acrescentou-lhes custos pelo uso de conteúdos, inclusive de filmes produzidos há mais de 50 anos, proibiu os cineclubes que quisessem cobrar uma “Taxa de Manutenção”. Estas iniciativas são positivas para os cineclubes? O “Cine+ Cultura” justifica tudo isso? Qual seu significado para os cineclubes? E a programadora, atende as necessidades de programação dos cineclubes?

Depois da Jornada de Moreno/PE, 2010, criou-se a figura do Presidente de Honra para a Entidade Nacional. Se a decisão foi referendada pela plenária ou se foi convite da Diretoria Executiva, não importa. Importa saber que o convidado foi o cineasta Silvio Tendler e sobre todo e qualquer aspecto, melhor indicação impossível, mas porque não foi efetivado no cargo?

“Nunca na história entidade nacional, uma diretoria não conseguiu realizar uma Jornada e pela primeira vez, realizou uma Assembléia Geral Ordinária de eleição, isolada da Jornada, criando mais confusão para um Movimento em situação bastante controversa. Nesta última década, o que propõe ou o que propôs este Movimento para a sociedade brasileira, para o cinema. No campo do conhecimento, da pesquisa, da memória, conservação e difusão, o que foi e o que está sendo feito, proposto...

Quantas vezes, nestes 10 anos, a entidade nacional conseguiu por seus meios, reunir a diretoria presencialmente, incluindo, inclusive as Jornadas? Não se questiona aqui reuniões por Skype, mas sim um modelo de estrutura para um Movimento “sócio-cultural”, que se dizer revolucionário, num país continental como o nosso, sequer consegue se encontra em reunião de gestão.
                     
Ao eleger este modelo, seus representantes lideram, conduzem o processo assumem e tomam decisões. Assim em 2004, foi eleito um ex-presidente, autentica liderança deste modelo. Presidiu a entidade por cinco anos, quando os estatutos, prevêem quatro. Ele é o mesmo que no final do século passado, mal passou as chaves para o seu legítimo sucesso, que se quer apagou as luzes deixadas por aquele. Estas mesmas lideranças assumiram a liderança do Movimento, nesta última década, fizeram sucessores, até a bancarrota da não realização da 29ª Jornada prevista pelos estatutos. Pelo temário da próxima Jornada, este assunto passará longe do debate, ou sua urgência o colocará no olho do furação?

Quem são os autores do manifesto “Começar de Novo, Um manifesto cineclubista paulista”, por acaso não fazem eles parte daquele mesmo grupo?

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“O cineclube é a expressão mais nítida de enraizamento
da cultura cinematográfica em qualquer comunidade”.
Kuperman, Mário, “O cineasta vesgo”, Artigo publicado no
Jornal da 15ª Jornada Inter. de Cinema da Bahia, 1986.

Um passo a frente.
Há que se levar em consideração às novas realidades tecnológicas do cinema e sua mobilidade; o momento político em que vive o país, onde o conceito de democracia representativa em vigor é tão, limítrofe que as ruas viraram palco de democracia direta. No que pese os avanças sociais alcançados pela gestão dos últimos 11 anos da gestão governamental do país, como se coloca o Movimento cineclubista hoje para a sociedade brasileira?

Um movimento espontâneo como o cineclubista, comporta em seu interior, uma dose bastante razoável de incertezas, boa parte deles quando surgem, nem sempre consegue organizar-se com Estatutos, Diretoria, Conselho Fiscal, estes, que foram elementos pilares do Movimento Cineclubista e que hoje estão em cheque. Os cineclubes são efêmeros, se organizam e morrem com a mesma espontaneidade, como diz um amigo cineclubista paulista: “O índice de mortalidade infantil dos cineclubes é muito alto, é assustador”, mas, nem por isso, menos importantes. Este é um quadro a ser pensado e revertido com premência.

As ações do movimento cineclubista no brasileiro, sempre foram muito tímidas com relação à formação de público. Ela é notória na formação de quadros. Se não todos, quase todos os cineastas do “Cinema Novo” se formaram nos cineclubes, as duas maiores Cinematecas foram criadas por iniciativa cineclubista, assim como vários festivais de cinema, a começar por Gramado, Brasília, Jornada de Cinema da Bahia, Festival do Rio, etc., professores, críticos, pesquisadores, administradores, exibidores, são exemplos dos mais significativos.

O que permanece ainda como objeto primeiro da atividade cineclubista é o filme, mas será que ele, enquanto expressão de formação, informação, conteúdo pedagógico, expressão política, social, cultural... É representativo da nossa sociedade. O filme brasileiro representa na tela o projeto dos cineclubes?   

Aquela estrutura hoje, não tem correspondido às necessidades, tanto do Movimento como dos Cineclubes. Pensar um novo modelo de estrutura, com novas possibilidades de representação, que contemple a diversidade cultural de cada cineclube, que conviva com as diferenças, onde as minorias sejam forças vivas e não suporte de sobrevivência da maioria é desafio a ser enfrentado.

Anotem, para que fique registrado nas mentes e impresso nos corações: Está viva, mais do que nunca à atitude cineclubista!


Diogo Gomes dos Santos

Cineclubista



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