quinta-feira, 5 de maio de 2016


O CIRCUITO SPCINE

Mais do que relevante, é de fundamental importância a criação do Circuito Spcine, que inaugurou no último dia 30 de março, as salas no – CEU Feitiço da Vila, na Chácara Santa Maria; CEU Meninos; no Sacomã e no CEU Butantã -, três das 20 anunciadas e que serão entregues a população até o final do mês de junho do ano em curso.


A concretização deste circuito é uma ideia acalentada há tempos, não só pelo cineclubismo, mas pelo cinema brasileiro em sua expressão mais resistente. A final, o filme só existe, quando bem projetado na tela. Isso é com certeza, a razão maior da existência de qualquer filmografia, principalmente a brasileira, tão vilipendiada pelo produto estrangeiro, notadamente o norte americano, em conluio com distribuidores e exibidores, salvo muitas, raríssimas exceções.

Para além da importância do circuito para o cinema brasileiro seja como parte da formação critica, como do direito de acesso ao filme nacional chegar ao seu público natural, a formação de novo público, é crucial para que este circuito vá em busca do público que está fora daquela faixa de mais ou menos 10% da população que frequenta as salas dos cinemas comerciais, onde o filme é disponibilizado como objeto de consumo ligeiro.


Evidente que o Circuito Spcine, ao colocar o filme em contato direto com o seu público preferencial, ele, o filme, precisa ser apresentado como uma forma de expressão do povo e registro memorial do seu tempo. É fundamental que o filme seja um elemento de diversão, laser, mas essencialmente deve também, informar, formar e educar.

Quando o Centro Cineclubista de São Paulo apresentou a proposta de criação deste Circuito à equipe da Spcine, ainda na sua fase embrionária de criação e foi aceito, apontamos para a necessidade de criar mecanismos que garantisse sua existência para muito além dos governos municipais (gestão desse ou daquele partido político), para que o espectador deixasse de ser “alma” e fosse contabilizado como público que agrega valor simbólico e econômico ao filme, que fosse imperiosa a autonomia de sua gestão, livrando-a das garras de toda e qualquer burocracia, principalmente a municipal.


Criar circuitos como estes em “espaços já existentes da administração pública”, não assegura as “boas intenções” contidas nos objetivos propostos e se quer nos numerais de pesquisas vindouras. Se assim fosse, existem muito mais de 50 milhões de auditórios em equipamentos públicos – estabelecimentos de ensino -, no Brasil. Era só adequá-los. Mas... por si só filmes nacionais que se pagam nos mercados que são "ocupados" pelos enlatados holywoodianos, são especie em avançado estágio de extinção.

No entanto, este circuito, precisa adotar premissas básicas de política pública de cultura, criando mecanismos que incentive a pluralidade de suas manifestações, onde a produção local encontre mecanismos que garantam sua criação e difusão, em detrimento da tendência monopolista do sistema em criar obstáculos para que as particularidades não sobrevivam, como valor cultural universal. A continuidade dessas 20 ou 80 salas nas próximas administrações é essencial, porque é neste tipo de circuito que o diálogo entre o filme e o espectador possa ser estabelecido. É ali onde o filme transcende aos objetivos de expressão de existência, onde ele ganha perenidade, é o lugar aonde o filme se torna obra de arte.


Quando de sua passagem por São Paulo, em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo, o então editor da revista Cahiers Du Cinèma, Antoine de Baecque disse: “O cinema brasileiro tem conferido pouca importância à contribuição dos cineclubes, ao seu desenvolvimento”. O irônico de tudo isso é que a inauguração da 20ª sala do Circuito Spcine, que antes era Biblioteca do Ipiranga, depois rebatizada "Biblioteca Roberto Santos" transformada e tematizada em Cinema, justa homenagem ao cineasta paulistano, mas, no entanto, sua asserção, remonta a atividade cineclubista - Cineclube Ipiranga - ali desenvolvida, desde a última década do século passado, cuja inspiração levou o então Secretário Municipal de Cultura Marco Aurélio Garcia, governo Marta Suplicy, a iniciar os debates em torno do que veio a ser hoje a Spcine. O irônico do icônico é que, com a inauguração da sala, o cineclube tenha sido simplesmente ignorado. 

Como sou cineclubista sobrevivente, hoje, num Estado de Exerção, diferente do civilizado cineclubista de além mar, como selvagem vou direto a jugular de alguns soberbos e prepotentes gestores públicos, então a frente da Spcine em amparar a afirmação de Baecque, no que pese a significativa contribuição já vivenciada pelo Movimento Cineclubista Brasileiro à criação deste circuito, ora em processo de implantação por essa empresa.

Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista

"Alma", conceito difundido por Maria do Rosário citando Marco Ferreri


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