Uma Provável Cronologia da
História do Pensamento dos Cineclubes Brasileiros.
Esta contribuição, imbuída da mais sincera intenção, embora
pretenciosa, tem somente o desejo de contribuir com o desenvolvimento do
cineclubismo brasileiro. Consciente da tarefa de tão instigante matéria e correndo sério risco de comentários que a possa colorir de inglória cor. Mas, uma vez cineclubista, sempre cineclubista!
Em
2017 completa o primeiro centenário do Cineclubismo no Brasil, embora as mentes
atrofiadas dos detentores do “poder” dirigente do Movimento Cineclubista a
época, não reconhecem a data “paredão” e sim a “Chaplin Club”. Esta é apenas
uma questão de ponto de vista ou falta de foco na atividade memorial cineclubista.
Se o Cineclube Paredão existiu ou não, não é questão, é fato. Se ele foi proto
ou pleno cineclube, é narrativa. No entanto, Paredão é contribuição seminal!
Do
Paredão a primeira fase do Clube de Cinema de São Paulo – 1940/45 -, ganhou
relevância a experiência do Chaplin Club, que nos deixou registrado seu legado
de importância fundamental, ficando para depois da segunda guerra mundial, a
pouco conhecida, mas significativa contribuição da igreja católica ao
cineclubismo brasileiro, marcada de forte teor teológico.
Com
o firme propósito de defender o cinema mudo em detrimento do falado, os membros
do Chaplin Clube se esmeraram em seus argumentos, mas terminaram por enaltecer mais
o cinema ilusionista do que a diversidades de outras filmografias mais realistas,
voltadas para o filme como ferramenta de discussão dos conflitos do espírito social
do homem, que a fuga destes. Seria prematuro atribuir ao Chaplin Clube uma
tendência ideológica a partir de suas reflexões críticas sobre o cinema em geral,
propósitos que eles não professaram.
Ganha
essencial relevância a segunda fase do Clube cinema de São Paulo, que ao retoma
suas atividades a partir de 1956, ramificando suas atividades para muito além
da simples difusão. Eles vão criar uma vasta gama de eventos e organizações
pilares do cinema brasileiro, começando pela Cinemateca Brasileira/SP, a
Cinemateca do MAM/RJ, A Cinemateca Guido Viaro de Curitiba/PR, vários Festivais
de cinema, o movimento do Cinema Novo, o Centro de Cineclubes de São Paulo, marco
nascedouro do Movimento Cineclubista Brasileiro e depois veio a realização da I
Jornada de Cineclubes Brasileiros e subsequente o Cineclube da Faculdade de
Filosofia do Rio de Janeiro, os Clubes de Cinema de Belo Horizonte, Porto
Alegre, Salvador, Fortaleza, Manaus, Teresinha, Belém, Recife, Natal, Brasília,
entre outros.
Mesmo
sendo um período de forte influência dos cineclubes católicos, sua contribuição
reflexiva sobre o cineclubismo é de fundamental importância. Já nesta época,
década de 1950, a presença de ações isoladas de grupos de cineclubistas ligados
ao Partido Comunista Brasileiros, exibindo e debatendo filmes em Sindicatos e nas
organizações do movimento social, já era foco de disputa velada, por um espaço
de predominância, num segmento sócio cultural dos mais significativos da
sociedade brasileira da época, o cineclubismo.
O
país, principalmente o Brasil litoral vivia um período[1] de
grande efervescência social, os cineclubes ensaiam uma face mais popular, com
os cineclubistas cineastas, também participes dos Centro de Cultura Popular –
CPC - da União Nacional dos Estudantes – UNE -, produzem o filme “5 vezes Favela”, passaporte da
atividade de difusão dos cineclubes com o movimento estudantil da União
Nacional dos Estudantes, para a realização.
[1] - O pós-guerra, a volta e a morte de Getúlio
Vargas, o aceleramento da industrialização, a reconstrução do mundo e em
particular da Europa, a legalização do Partido Comunista do Brasil, o movimento
cinematográfico do neo realismo italiano, a nouvelle vague francesa, o novo
cinema latino-americano, o cinema novo brasileiro, o rock americano, a bossa
nova, a bienal de São Paulo, o fim da chanchada, o movimento concretista, o MCP
no recife, o CPC da UNE, a revolução cubana, a jovem guarda, a tropicália, duas
décadas de muitas transformações sócio culturais, entre cortada por um golpe
militar, com uma pequena fase de resistência, até o contra golpe dentro do
golpe militar, instaurado no país em 1º de abril de 1964 e em 13 de dezembro de
1968, com a edição do Ato Institucional de nº 5 AI-5.
Esta
junção fortalece o surgimento de novos cineclubes, a disputa interna adianta-se
com ímpeto para o campo mais teórico, enquanto a presença da igreja como
promotora da ação vai cedendo lugar para alguns cineclubes, dois deles mais se
destacaram: O Cineclube Pró-Deo[1] de
Porto Alegre, de ascendência católica e o Cineclube do Centro Dom Vital[2],
em São Paulo, embora atuando dentro de uma instituição de orientação católica,
seus membros em sua imensa maioria, são também de tendência marxista.
Gustavo Dhal, Cc Dom Vital
Jean-Calude Bernardet, Cc Dom Vital
Filme do crítico Rubem Biáfora, Cc Dom Vital
Esta
simbiose mantém o crescimento do Movimento Cineclubista e com a realização das
jornadas, cria-se em 1965, o 1º Festival do Filme Brasileiro de Curta-Metragem,
durante a realização da V Jornada Nacional de Cineclubes, ocorrida em Salvador,
BA, findando sua curta existência com a 3ª edição, no âmbito da 7ª Jornada,
Brasília, DF, 1968, quando os cineclubes confrontam com o aparato repressivo do
Regime Militar. A 7ª Jornada se transforma num épico contra a liberdade de
expressão censurada pela Ditadura, culminando com o encerramento das atividades
dos cineclubes a partir de dezembro daquele ano, depois da edição do Ato
Institucional de nº 5 – AI-5. Os anos de 1969 a 1974, os cineclubes estarão ausentes
enquanto movimento organizado, da cena cultural do país.
O
processo de reorganização do Movimento Cineclubista no início da década de
1970, ocorreu sob a recomendação do Partido Comunista Brasileiro – PCB -, que
compreendeu a importância da contribuição que os cineclubes vinham prestando ao
desenvolvimento do Cinema Brasileiro. Daí por diante e todo o processo de
reorganização do Movimento e a direção, estará sob a influência das ideias do
partido.
O
racha do partido comunista com relação a adoção da guerrilha como alternativa
de combate à ditadura, terá influência significativa na atividade dos
cineclubes, entre eles o Cineclube Tirol em Natal, RN, ao cineclube Aquiry[1] em
Rio Branco, no Acre, no Cineclube Glauber Rocha no Rio, a direção da Federação
de Cineclubes do Estado do Rio de janeiro. Enquanto o seu presidente, estava
voltado para a produção cinematográfica[2], o
seu vice estava entre os guerrilheiros que sequestraram um avião e seguiram
para o exílio, em Cuba.
[1] - http://cineclubeaquiry.blogspot.com.br/
[2] -
Nesta época Silvio Tendler era o presidente da Federação do Rio e estava
entrevistando o Marinheiro João Cândido para um seu filme, enquanto o seu Vice,
Elmar Oliveira fez opção por outra forma de luta contra a Ditadura Civil
Militar, participando do único sequestro de avião ocorrido no Brasil.
Após
a “Carta de Curitiba”, documento norteador das atividades cineclubistas exercerá
certa hegemonia na política cineclubista, apesar de ter sido escrita pelo
crítico de cinema Eli Azeredo, tido como “católico conservador”, que não se
furtou em conciliar na versão final do documento com um dos mais brilhantes
membros do partido na época e que fora eleito vice-presidente do Conselho
Nacional de Cineclubes, Marco Aurélio Marcondes, tendo como presidente um
católico convicto, Carlos Vieira.
A
VIII Jornada foi também, berço do surgimento de uma vertente de oposição ao
projeto espelhado nas deliberações finais daquele documento, definidor da opção
cineclubista pela exibição. A oposição surge em função deste imbricado binômio
exibição/distribuição[1]. Dele
sai a ideia de se criar uma distribuidora de filmes que desce sustentação as
atividades dos cineclubes, livrando-os da dependência do mercado. A disputa que
surge a partir dessa polêmica aponta o caminho do cineclube como exibidor, com
potencial proporção para se criar uma alternativa de exibição do filme
brasileiro, com a sedimentação de um circuito de exibição que contemplasse
filmes de temáticas críticas a realidade social e política do país. A outra
propositura apontava para um cineclubismo que caminhava na direção da reflexão da
crítica e da estética, aliada a realização cinematográfica, canal de ligação direto
com a distribuição e a difusão, visão capitaneada pelo vértice “trotskista” no
Movimento Cineclubista.
Estas
duas tendências se confrontaram, na disputaram pela direção do Movimento
Cineclubista Brasileiro, tendo como palco a realização da XI Jornada Nacional
de Cineclubes, ocorrida na cidade de Caxias do Sul, RS, 1979. Naquela disputa
as concepções se fizeram claras, pelo menos para as lideranças do cineclubismo,
que ali, com veemência a verve se expuseram.
[1] -
A Diretoria eleita do CNC rejeita de imediato a ideia de se criar uma
distribuidora, mas reavalia sua posição e quando chega na realização da IX
Jornada, concorda com a proposição da distribuidora, a plenária aprova e no ano
seguinte, surge a Dinafilme - Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes.
Tal
foi o susto para a tendência vencedora que concebia o cineclubismo comprometido
com a exibição e a difusão da obra cinematográfica, que o circuito de exibição
se aprimorou e com ele sua visão de organizar o público, tanto a favor do
cinema como do reestabelecimento do Estado de Direito no país. Para manter-se
majoritária na direção do Movimento essa tendência se organizou internamente no
seio do Movimento Cineclubista, com o codinome “Avançar[1]”.
Dela fazia parte e eram maioria, cineclubistas que membros do Partido Comunista
Brasileiro.
O
que surgiu de lá para cá, 1979/80 aos dias atuais, 2017, foi outra tendência
política, inspirada num misto de marxismo com teologia da libertação,
sedimentada fortemente nas práxis pedagógicas e cineclubista, centrada nas concepções
de condutas teóricas, práticas, éticas e morais da “Avançar”.
Evidente
que uma reflexão mais aprofundada dessa questão, considerando os acontecimentos
que deflagraram a queda do Muro de Berlin, o avanço do Neoliberalismo com o
Consenso de Washington e a nova configuração global, em particular da América
Latina e mais especificamente, contextualizando a atividade do Movimento
Cineclubista do século 21 – 2004 a 2015 -, a partir dos acontecimentos da XXV
Jornada, com a criação do outro Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, o
CNC do B, a docilidade
com a pauta estatal e, apesar da
assimilação das novas tecnologias pela pratica cineclubista, é possível identificar
outras tendências, bem próxima - grosso modo -, dos que se identificam com a
ideia do “Estado Mínimo” e os que mais advogam as causas do “Estado Forte”.
Embora isso não ultrapasse a linha ideológica do marxismo, ela ajudará a
redesenhar o cineclubismo.
Em
situações desta natureza é imprudente ignorar a voz do silêncio, daqueles que
não se manifestavam, mas atuam dentro daquilo que se convencionou chamar de
prática cineclubista, que neste momento é o que mantém acessa a chama do
cineclubismo.
Por
outro lado, as cisões que o movimentou vem sofrendo desde então, pode não se
configurar lepidamente numa tendência ideológica, mas com certeza, em alguns
momentos históricos do movimento, representou uma nova postura, contribuiu com seu
desenvolvimento e com certeza do Cinema Brasileiro.
Difícil
de ser percebida, mas ela existe, está no ar e nas práticas de um Novo Cineclubismo
em processo permanente de construção. No entanto, essa expressão silenciosa, se
não explicitada, corre o sério risco de virar inconformismo, massa de manobra,
de parca consequência, capaz apenas de influenciar esta ou naquela corrente, em
algum momento específico, mas que se manterá na mesma condição de convivência
suportável do jogo democrático.
Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista, Cineasta, Historiador
[1] -
Avançar, expressão usada por Stalin quando este ordena para o exército vermelho
avança sobre o exército nazista, sitiado em Leningrado, durante a Segunda Guerra
Mundial. A avançar sempre foi muito crítica com relação as práticas stalinistas.
[1] - O pós-guerra, a volta de Getúlio
Vargas ao poder e sua morte, o aceleramento da industrialização, a reconstrução do mundo e em
particular da Europa, a legalização do Partido Comunista do Brasil, o movimento
cinematográfico do neo realismo italiano, a nouvelle vague francesa, o novo
cine latino-americano, o cinema novo brasileiro, o rock americano, a bossa
nova, a bienal de São Paulo, o fim da chanchada, o movimento concretista, o MCP
no recife, o CPC da UNE, a revolução cubana, a jovem guarda, a tropicália, duas
décadas de muitas transformações sócio culturais, entre cortada por um golpe
militar, com uma pequena fase de resistência, até o contra golpe dentro do
golpe militar, instaurado no país em 1º de abril de 1964 e em 13 de dezembro de
1968, com a edição do Ato Institucional de nº 5 AI-5.
[2] - http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Cineclubes%20Catolicos%20e%20Imprensa.pdf
[3] - http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000441114
[5] -
Nesta época Silvio Tendler era o presidente da Federação do Rio e estava
entrevistando o Marinheiro João Cândido para um seu filme, enquanto o seu Vice,
Elmar Oliveira fez opção por outra forma de luta contra a Ditadura Civil Militar,
participando do único sequestro de avião ocorrido no Brasil.
[6] -
A Diretoria eleita do CNC rejeita de imediato a ideia de se criar uma
distribuidora, mas reavalia sua posição e quando chega na realização da IX
Jornada, concorda com a proposição da distribuidora, a plenária aprova e no ano
seguinte, surge a Dinafilme - Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes.
[7] -
Avançar, expressão usada por Stalin quando este ordena para o exército vermelho
avança sobre o exército nazista, sitiado em Leningrado, durante a Segunda
Guerra Mundial. A tendência avançar sempre foi muito crítica com relação as suas práticas
stalinistas no cineclubismo.
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