Este texto embora não tenha um caráter acadêmico, foi escrito em forma de reportagem, para comemorar uma data pouco conhecida dos cineclubistas brasileiros. Contribuições serão sempre muito bem-vindas.
HÁ 55 ANOS ERA FUNDADO O CONSELHO
NACIONAL DE CINECLUBES
A
fundação do Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -, veio concretizar um sonho
que vinha sendo acalentado palas atividades que estavam sendo desenvolvidas no
campo da difusão cinematográfica no país,
desde a década de 1950, e pela convicção de Carlos Vieira, abnegado
militante do cineclubismo, que era influenciado pelas ações realizadas pela
igreja católica, lideradas pelo então Arcebispo e depois Cardeal Dom Helder
Câmara, primeiro a promover em nosso país as “Jornadas Católica de Cinema[1]”,
no que pese as contribuições de Pe. Massote, Pe. Legert e dos militantes católicos
Humberto Didenot, Cosme Alves Neto, entre outros.
A
terceira Jornada de Cineclubes
Brasileiros[2]
realizada no Rio de Janeiro deliberou pela formação de uma Comissão Nacional,
com o intuito de aprofundar o debate em torno das funções e necessidade de se
criar uma entidade de representação nacional dos cineclubes.
Naquela
altura dos acontecimentos, 1961, já existia três Federações Estaduais de
Cineclubes: Minas Gerais; Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro, além do Centro de
Cine-Clubes de São Paulo[3],
que representava os cineclubes do Estado e vinha exercendo na prática a
coordenação nacional das atividades dos Clubes de Cinema e/ou cineclubes[4].
A
discussão em torno da necessidade da criação de uma entidade nacional já tinha sido
agendada, discutida, protelada, a ponto da deliberação[5] da
terceira Jornada, soar, até certo ponto, como uma espécie de ultimato para que
a questão fosse finalmente resolvida, uma vez que a Jornada anterior, decidiu
adiar a criação da entidade nacional em função da pouca participação nos
debates, adiando para o ano seguinte a criação da entidade nacional.
Vários
nomes foram objeto de discussão: Federação Nacional de Cineclubes, Associação, União
de Cineclubes Brasileiros e finalmente Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -,
esta última nomenclatura surgiu de uma proposição feita em forma de moção do
Cineclube de Nova Friburgo/RJ, apoiada pelo Cineclube do GEC da UME e do Clube
de Cinema do Rio de Janeiro. O Cineclube do GEC era na época, era representado
por Cosme Alves Neto, cineclubista vindo para o Rio de janeiro de Belém do Pará
e cujo apoio ao nome foi determinante. Posteriormente, Cosme se converteu numa
das personalidades mais importantes, admirada, respeita, querida e amada, pelos
amantes do cinema, por seus relevantes serviços prestados ao Cineclubismo e ao
Cinema Brasileiro, principalmente atuando na Cinemateca do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro – MAM, Cosme era de uma formação católica e foi
membro do Partido Comunista Brasileiro. O outro defensor da moção foi Walter
Pontes, que se tornou o primeiro Diretor no cargo de: Assessoria Geral da primeira Diretoria Executiva do Conselho
Nacional de Cineclubes e que para a realização da III Jornada, foi personagem
fundamental na organização daquele encontro.
A
fundação do Conselho Nacional de Cineclubes foi precedida de grande cobertura
jornalística, principalmente a de São Paulo, Porto Alegre e do Rio de Janeiro. O
jornal O Estado de São Paulo anuncia
na edição do dia 25 de maio de 1962: “Está marcado para amanhã às 14 horas, na
sede da Cinemateca Brasileira, no Parque do Ibirapuera, Portão 5, uma
assembléia geral, convocada pelo Centro dos Cine-Clubes do Estado, de quem é
presidente o Sr. Carlos Vieira”, visando a fundação do Conselho Nacional de
Cineclubes, que coordenará todas as atividades dos cineclubes do país.
A
matéria do jornal informa que estavam presente as Federações de cine-clubes de
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro. A edição do dia 02/06/62 do
jornal O DIA de Porto Alegre,
anuncia a presença de: Carmem Gomes, Federação de Cineclubes de Minas Gerais;
Walter Pontes, Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro; Carlos Vieira do
Centro de Cine-Clubes; Olavo Macedo de Freitas, Federação Gaúcha de Cineclubes;
Rudá de Andrade, Maurice Capovilla, Paulo Emílio Salles Gomes e Ilka B.
Laurito, da Cinemateca Brasileira; Maurice A. Legard, Clube de Cinema de
Santos; Edgar Carone, Clube de Cinema de Botucatu, Ailton Oliveira e Roberto
Cimino, Clube de Cinema de Marília; Roberto Durço, Clube Avareense de Cinema;
P. José López, SP, Cineclube 3 de Dezembro; Heitor Contrucci, Assessor do
Centro de Cineclubes de São Paulo; Pe. E. Massote, Assessor da Federação de
Cineclubes de Minas Gerais e o Foto Cineclube Bandeirantes de São Paulo.
O
Conselho Nacional de Cineclubes foi fundado no dia 26 de maio de 1962. A
primeira diretoria executiva ficou assim constituída: Presidente: Carlos Vieira (SP); Diretor da Assessoria
Geral; Walter Pontes (GBA – Estado
da Guanabara, hoje Estado do Rio de janeiro), Diretora da Assessoria Cultural; Carmem Gomes (MG); Diretor da
Assessoria Fiscal; Olavo Macedo de
Freitas (RS). O registro foi feito
no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos, 3º ofício, registrado sob
nº 9619, livro de nº 5 de registro de pessoas jurídicas, no dia 13 de julho de
1963, situado na cidade de São Paulo.
O
Jornal A Folha de São Paulo, edição
do dia 28 de maio de 1962 anuncia também que a assembleia, após a aprovação dos
estatutos elegeu a Diretoria Executiva e “foi proposto um voto de aplausos ao
filme O Pagador de Promessas e outro ao Centro Popular de Cultura da UNE, pela realização do filme Cinco
Vezes Favela[6].
(Grifos do autor)
Na
edição de 03/07/62 do jornal “O Estado de São Paulo”, refere-se ao Conselho
como sendo um “organismo destinado a congregar as Federações Brasileiras de
Cineclubes... deverá coordenar todas as reivindicações cineclubistas, estimular
a união no movimento de cultura cinematográfica e organizar os próximos
congressos... além de representar o Brasil na Federação Internacional de
Cineclubes...” Segundo Carlos vieira, primeiro presidente da entidade, “a
constituição do Conselho representa um certo amadurecimento na cultura cinematográfica
brasileira, que começa a se desenvolver do Norte ao Sul do país, principalmente
graças aos esforços estudantis e clericais”.
A
Cinemateca Brasileira que vinha ajudando nas atividades dos cineclubes reforça
a linha de atuação definida pelo Conselho de apoio à difusão da cultura
cinematográfica, como sendo de absoluta imparcialidade, apoiando todos os
movimentos existentes, as nascentes e esperam ampliar a circulação dos filmes e
documentos pelo país.
O
primeiro documento oficial da nova entidade foi um Ofício para o Ministro da
Educação e Cultura, Sr. Darcy Ribeiro, hipotecando-lhe irrestrita solidariedade
pelo plano de Emergência em favor da cultura nacional. O ofício do CNC,
salientava que as Federações de Cineclubes existentes, já tinham produzido
“recursos audiovisual e construção de material didático”, sobre “Cinema e
Educação, Cinema e Infância”, e vinham “oferecer colaboração para efetivação de
iniciativa edificante para o país”.
A
primeira Assembleia Geral Ordinária do Conselho foi realizada nos dias 23 e 24
de janeiro de 63, no Clube de Cinema de Santos, constando da pauta os
preparativos para a IV Jornada Nacional
de Cineclubes[7] e a
realização de uma mesa redonda em homenagem ao cinema baiano, com a presença do
produtor Rex Schindler e do crítico de cinema Walter da Silveira do Clube de
Cinema da Bahia. Esta iniciativa se converteu no primeiro “Estágio para
Dirigentes Cineclubistas do País”[8].
Os
cineclubistas de hoje podem achar estranho o fato da assembleia da terceira
Jornada de Cineclubes Brasileiros ter decidido pela direção da entidade
nacional e de fato sua fundação ocorreu em uma plenária convocada pelo Centro
dos Cine-Clubs do Estado de São Paulo, cuja plenária foi constituída pelas
diretorias das Federações Estaduais e não pelos cineclubes, como é hoje.
Para
melhor entendimento sobre a natureza do Conselho Nacional de Cineclubes – CNC
-, o Artigo 1º do Estatuto diz: “As entidades federativas ou associativas de
cine-clubes do Brasil afirmam ser de sua vontade de unirem-se em vista de
contribuir para o desenvolvimento do estudo e da difusão da arte
cinematográfica no país, para o que constituem um CONSELHO NACIONAL DE
CINE-CLUBES para maior colaboração e apoio entre si” e o Artigo 3º diz que o
Conselho “... tendo por objetivo o cinema de todas as suas formas de difusão
cultural e artística...”. A assembleia do Conselho composta pelas entidades de
representação e cada entidade tinha direito a quantidade de votos que
constituiu a mesma, limitada ao máximo de cinco votos.
Lembremos
que a Jornada era um evento do Conselho e não reunia a assembleia. Era uma espécie
de fórum, de um grande Conselho, cujas deliberações poderiam ou não serem implementadas.
É
somente depois da realização da VIII Jornada Nacional de Cineclubes, realizada
em 1974, de reorganização do CNC que os cineclubes passam a ser a espinhal
dorsal do Movimento, cabendo a eles, reunidos em Assembleias, instância máxima
de representação e deliberação, tomar as decisões em favor do Cineclubismo Brasileiro.
A
questão da verticalização ganha novos contornos, se aprofunda, o CNC permanece sendo
a única entidade de representação nacional, continua reconhecendo somente uma entidade
de representação por Estado e impede que membros de um mesmo cineclube possa
concorrer em chapas diferentes, Artigo 36º, § Inciso - 3º e Parágrafo Único.
Para
o bem e para o mal, o CNC tem a partir dos seus estatutos, um escopo
organizativo dimensionando a natureza de suas atividades, focado na cultura
cinematográfica e do audiovisual. É desde sua origem membro filiado da Federação
Internacional de Cineclubes, já ocupou por várias vezes o Secretariado para
América Latina e o Caribe e há dois mantados seguidos sua presidência é ocupada
por um brasileiro.
Nestes
55 anos de atividades a entidade nacional foi protagonista de momentos
singulares na construção de uma cultura cineclubista, que em alguns embates é
portadora dos mais relevantes serviços prestados ao desenvolvimento do Cinema
Brasileiro e a cultura sócio cultural do país. Sua importância é merecedora de
estudos mais aprofundados, cuja contribuição aguarda registro de cultural
material e imaterial brasileira.
Diogo
Gomes dos Santos
Cineclubista, cineasta, historiador,
[1] - Jornal O Estado de
São Paulo”, Suplemento Literário, 15/12/1956
[2] - Assim foram
denominadas as três primeiras Jornadas, somente depois da quarta Jornada, após a
criação do CNC é que as Jornadas ganharam a nomenclatura de “Nacional de
Cineclubes” (Nota do autor)
[3] - Desde o primeiro
estatuto do Conselho Nacional de Cineclubes, que se determinou aceitar somente
uma entidade federativa por Estado. Na época o CNC aceitou o Centro de
Cine-Clubs de São Paulo como sua filiada, entendo exercer ela as funções de uma
Federação. Somente depois da VIII Jornada Nacional e com as mudanças no
Estatuto do CNC, admitiu a filiação das Comissões Pró-Federação, que por
ventura viessem a se formar nos Estados. O reconhecimento de entidade de
representação estadual se dá pelo Estatuto e não pela nomenclatura. (Nota do
Autor).
[4] - No Brasil, em suas
cinco primeiras décadas, os cineclubes seguiram a tradição francesa dos Clubes
de Cinema, inclusive no uso do nome, a predominância na nomenclatura de cineclube
em detrimento de Clube de Cinema, acompanhou um novo paradigma nas atitudes dos
cineclubes, surgido principalmente depois da segunda guerra mundial.
[5] - As decisões das Jornadas de Cineclubes Brasileiros, não
tinham caráter deliberativos, justamente pela ausência de uma entidade com
legitimidade de representação. Elas tinham mais um caráter de Fórum ou de
Conselho Consultivo. Quem encaminhava informalmente estas deliberações eram as
diretorias das Federações Estaduais.
[6] - Todos os cinco
diretores do filme “Cinco Vezes Favela”, eram cineclubistas (Cacá Diegues,
Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges).
[7] - Jornada Nacional
de Cineclubes, nome que passou a vigorar a partir de então até os dias atuais.
(Nota do autor)
[8] - Jornal A Tarde,
1965.
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