segunda-feira, 5 de junho de 2017

55 ANOS DO CNC

Este texto embora não tenha um caráter acadêmico, foi escrito em forma de reportagem, para comemorar uma data pouco conhecida dos cineclubistas brasileiros. Contribuições serão sempre muito bem-vindas. 


HÁ 55 ANOS ERA FUNDADO O CONSELHO NACIONAL DE CINECLUBES

A fundação do Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -, veio concretizar um sonho que vinha sendo acalentado palas atividades que estavam sendo desenvolvidas no campo da difusão cinematográfica no país,  desde a década de 1950, e pela convicção de Carlos Vieira, abnegado militante do cineclubismo, que era influenciado pelas ações realizadas pela igreja católica, lideradas pelo então Arcebispo e depois Cardeal Dom Helder Câmara, primeiro a promover em nosso país as “Jornadas Católica de Cinema[1]”, no que pese as contribuições de Pe. Massote, Pe. Legert e dos militantes católicos Humberto Didenot, Cosme Alves Neto, entre outros.

A terceira Jornada de Cineclubes Brasileiros[2] realizada no Rio de Janeiro deliberou pela formação de uma Comissão Nacional, com o intuito de aprofundar o debate em torno das funções e necessidade de se criar uma entidade de representação nacional dos cineclubes.

Naquela altura dos acontecimentos, 1961, já existia três Federações Estaduais de Cineclubes: Minas Gerais; Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro, além do Centro de Cine-Clubes de São Paulo[3], que representava os cineclubes do Estado e vinha exercendo na prática a coordenação nacional das atividades dos Clubes de Cinema e/ou cineclubes[4].

A discussão em torno da necessidade da criação de uma entidade nacional já tinha sido agendada, discutida, protelada, a ponto da deliberação[5] da terceira Jornada, soar, até certo ponto, como uma espécie de ultimato para que a questão fosse finalmente resolvida, uma vez que a Jornada anterior, decidiu adiar a criação da entidade nacional em função da pouca participação nos debates, adiando para o ano seguinte a criação da entidade nacional.


Vários nomes foram objeto de discussão: Federação Nacional de Cineclubes, Associação, União de Cineclubes Brasileiros e finalmente Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -, esta última nomenclatura surgiu de uma proposição feita em forma de moção do Cineclube de Nova Friburgo/RJ, apoiada pelo Cineclube do GEC da UME e do Clube de Cinema do Rio de Janeiro. O Cineclube do GEC era na época, era representado por Cosme Alves Neto, cineclubista vindo para o Rio de janeiro de Belém do Pará e cujo apoio ao nome foi determinante. Posteriormente, Cosme se converteu numa das personalidades mais importantes, admirada, respeita, querida e amada, pelos amantes do cinema, por seus relevantes serviços prestados ao Cineclubismo e ao Cinema Brasileiro, principalmente atuando na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM, Cosme era de uma formação católica e foi membro do Partido Comunista Brasileiro. O outro defensor da moção foi Walter Pontes, que se tornou o primeiro Diretor no cargo de: Assessoria Geral da primeira Diretoria Executiva do Conselho Nacional de Cineclubes e que para a realização da III Jornada, foi personagem fundamental na organização daquele encontro.

A fundação do Conselho Nacional de Cineclubes foi precedida de grande cobertura jornalística, principalmente a de São Paulo, Porto Alegre e do Rio de Janeiro. O jornal O Estado de São Paulo anuncia na edição do dia 25 de maio de 1962: “Está marcado para amanhã às 14 horas, na sede da Cinemateca Brasileira, no Parque do Ibirapuera, Portão 5, uma assembléia geral, convocada pelo Centro dos Cine-Clubes do Estado, de quem é presidente o Sr. Carlos Vieira”, visando a fundação do Conselho Nacional de Cineclubes, que coordenará todas as atividades dos cineclubes do país.


 A matéria do jornal informa que estavam presente as Federações de cine-clubes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro. A edição do dia 02/06/62 do jornal O DIA de Porto Alegre, anuncia a presença de: Carmem Gomes, Federação de Cineclubes de Minas Gerais; Walter Pontes, Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro; Carlos Vieira do Centro de Cine-Clubes; Olavo Macedo de Freitas, Federação Gaúcha de Cineclubes; Rudá de Andrade, Maurice Capovilla, Paulo Emílio Salles Gomes e Ilka B. Laurito, da Cinemateca Brasileira; Maurice A. Legard, Clube de Cinema de Santos; Edgar Carone, Clube de Cinema de Botucatu, Ailton Oliveira e Roberto Cimino, Clube de Cinema de Marília; Roberto Durço, Clube Avareense de Cinema; P. José López, SP, Cineclube 3 de Dezembro; Heitor Contrucci, Assessor do Centro de Cineclubes de São Paulo; Pe. E. Massote, Assessor da Federação de Cineclubes de Minas Gerais e o Foto Cineclube Bandeirantes de São Paulo.

O Conselho Nacional de Cineclubes foi fundado no dia 26 de maio de 1962. A primeira diretoria executiva ficou assim constituída: Presidente: Carlos Vieira (SP); Diretor da Assessoria Geral; Walter Pontes (GBA – Estado da Guanabara, hoje Estado do Rio de janeiro), Diretora da Assessoria Cultural; Carmem Gomes (MG); Diretor da Assessoria Fiscal; Olavo Macedo de Freitas (RS).  O registro foi feito no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos, 3º ofício, registrado sob nº 9619, livro de nº 5 de registro de pessoas jurídicas, no dia 13 de julho de 1963, situado na cidade de São Paulo.

O Jornal A Folha de São Paulo, edição do dia 28 de maio de 1962 anuncia também que a assembleia, após a aprovação dos estatutos elegeu a Diretoria Executiva e “foi proposto um voto de aplausos ao filme O Pagador de Promessas e outro ao Centro Popular de Cultura da UNE, pela realização do filme Cinco Vezes Favela[6]. (Grifos do autor)

Na edição de 03/07/62 do jornal “O Estado de São Paulo”, refere-se ao Conselho como sendo um “organismo destinado a congregar as Federações Brasileiras de Cineclubes... deverá coordenar todas as reivindicações cineclubistas, estimular a união no movimento de cultura cinematográfica e organizar os próximos congressos... além de representar o Brasil na Federação Internacional de Cineclubes...” Segundo Carlos vieira, primeiro presidente da entidade, “a constituição do Conselho representa um certo amadurecimento na cultura cinematográfica brasileira, que começa a se desenvolver do Norte ao Sul do país, principalmente graças aos esforços estudantis e clericais”. 

A Cinemateca Brasileira que vinha ajudando nas atividades dos cineclubes reforça a linha de atuação definida pelo Conselho de apoio à difusão da cultura cinematográfica, como sendo de absoluta imparcialidade, apoiando todos os movimentos existentes, as nascentes e esperam ampliar a circulação dos filmes e documentos pelo país.
O primeiro documento oficial da nova entidade foi um Ofício para o Ministro da Educação e Cultura, Sr. Darcy Ribeiro, hipotecando-lhe irrestrita solidariedade pelo plano de Emergência em favor da cultura nacional. O ofício do CNC, salientava que as Federações de Cineclubes existentes, já tinham produzido “recursos audiovisual e construção de material didático”, sobre “Cinema e Educação, Cinema e Infância”, e vinham “oferecer colaboração para efetivação de iniciativa edificante para o país”.

A primeira Assembleia Geral Ordinária do Conselho foi realizada nos dias 23 e 24 de janeiro de 63, no Clube de Cinema de Santos, constando da pauta os preparativos para a IV Jornada Nacional de Cineclubes[7] e a realização de uma mesa redonda em homenagem ao cinema baiano, com a presença do produtor Rex Schindler e do crítico de cinema Walter da Silveira do Clube de Cinema da Bahia. Esta iniciativa se converteu no primeiro “Estágio para Dirigentes Cineclubistas do País”[8].

Os cineclubistas de hoje podem achar estranho o fato da assembleia da terceira Jornada de Cineclubes Brasileiros ter decidido pela direção da entidade nacional e de fato sua fundação ocorreu em uma plenária convocada pelo Centro dos Cine-Clubs do Estado de São Paulo, cuja plenária foi constituída pelas diretorias das Federações Estaduais e não pelos cineclubes, como é hoje.

Para melhor entendimento sobre a natureza do Conselho Nacional de Cineclubes – CNC -, o Artigo 1º do Estatuto diz: “As entidades federativas ou associativas de cine-clubes do Brasil afirmam ser de sua vontade de unirem-se em vista de contribuir para o desenvolvimento do estudo e da difusão da arte cinematográfica no país, para o que constituem um CONSELHO NACIONAL DE CINE-CLUBES para maior colaboração e apoio entre si” e o Artigo 3º diz que o Conselho “... tendo por objetivo o cinema de todas as suas formas de difusão cultural e artística...”. A assembleia do Conselho composta pelas entidades de representação e cada entidade tinha direito a quantidade de votos que constituiu a mesma, limitada ao máximo de cinco votos.

Lembremos que a Jornada era um evento do Conselho e não reunia a assembleia. Era uma espécie de fórum, de um grande Conselho, cujas deliberações poderiam ou não serem implementadas.

É somente depois da realização da VIII Jornada Nacional de Cineclubes, realizada em 1974, de reorganização do CNC que os cineclubes passam a ser a espinhal dorsal do Movimento, cabendo a eles, reunidos em Assembleias, instância máxima de representação e deliberação, tomar as decisões em favor do Cineclubismo Brasileiro.

A questão da verticalização ganha novos contornos, se aprofunda, o CNC permanece sendo a única entidade de representação nacional, continua reconhecendo somente uma entidade de representação por Estado e impede que membros de um mesmo cineclube possa concorrer em chapas diferentes, Artigo 36º, § Inciso - 3º e Parágrafo Único.


Para o bem e para o mal, o CNC tem a partir dos seus estatutos, um escopo organizativo dimensionando a natureza de suas atividades, focado na cultura cinematográfica e do audiovisual. É desde sua origem membro filiado da Federação Internacional de Cineclubes, já ocupou por várias vezes o Secretariado para América Latina e o Caribe e há dois mantados seguidos sua presidência é ocupada por um brasileiro.

Nestes 55 anos de atividades a entidade nacional foi protagonista de momentos singulares na construção de uma cultura cineclubista, que em alguns embates é portadora dos mais relevantes serviços prestados ao desenvolvimento do Cinema Brasileiro e a cultura sócio cultural do país. Sua importância é merecedora de estudos mais aprofundados, cuja contribuição aguarda registro de cultural material e imaterial brasileira.

Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista, cineasta, historiador,





[1] - Jornal O Estado de São Paulo”, Suplemento Literário, 15/12/1956
[2] - Assim foram denominadas as três primeiras Jornadas, somente depois da quarta Jornada, após a criação do CNC é que as Jornadas ganharam a nomenclatura de “Nacional de Cineclubes” (Nota do autor)
[3] - Desde o primeiro estatuto do Conselho Nacional de Cineclubes, que se determinou aceitar somente uma entidade federativa por Estado. Na época o CNC aceitou o Centro de Cine-Clubs de São Paulo como sua filiada, entendo exercer ela as funções de uma Federação. Somente depois da VIII Jornada Nacional e com as mudanças no Estatuto do CNC, admitiu a filiação das Comissões Pró-Federação, que por ventura viessem a se formar nos Estados. O reconhecimento de entidade de representação estadual se dá pelo Estatuto e não pela nomenclatura. (Nota do Autor).
[4] - No Brasil, em suas cinco primeiras décadas, os cineclubes seguiram a tradição francesa dos Clubes de Cinema, inclusive no uso do nome, a predominância na nomenclatura de cineclube em detrimento de Clube de Cinema, acompanhou um novo paradigma nas atitudes dos cineclubes, surgido principalmente depois da segunda guerra mundial.
[5] - As decisões das Jornadas de Cineclubes Brasileiros, não tinham caráter deliberativos, justamente pela ausência de uma entidade com legitimidade de representação. Elas tinham mais um caráter de Fórum ou de Conselho Consultivo. Quem encaminhava informalmente estas deliberações eram as diretorias das Federações Estaduais.
[6] - Todos os cinco diretores do filme “Cinco Vezes Favela”, eram cineclubistas (Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges).
[7] - Jornada Nacional de Cineclubes, nome que passou a vigorar a partir de então até os dias atuais. (Nota do autor)
[8] - Jornal A Tarde, 1965.

Nenhum comentário: