quinta-feira, 24 de agosto de 2017

CINECLUBES BRASILEIROS, EM RÁPIDA PANORÂMICA

Este artigo foi escrito para o Diário de Cineclube, uma revista online, da Federação italiana de Cineclubes. 


CINECLUBES BRASILEIROS, EM RÁPIDA PANORÂMICA


               “Cineclubismo é antes de tudo movimento, movimento de gente, de ideias,                    de imagens e sonhos em favor da atividade cinematográfica”. (MANIFESTO                    de Rearticulação, 2003)


A memória historiográfica do Movimento Cineclubista Brasileiro, carece de melhor organização e sistematização. Dispersa em termos bibliográficos, são parcas, carentes de pesquisa e de publicações a respeito.  Depois da Segunda Rearticulação do Movimento Cineclubista Brasileiro, ocorrida no início do século XXI, de 21 a 23 de novembro de 2003[1], é que começaram a surgir significativos “Trabalho de Conclusão de Curso”, “Teses de doutorados”, livros, filmes, abordando diretamente esta atividade e sua forma de organização, reflexão, difusão da cultura cinematográfica e do audiovisual brasileiro.

Falando genericamente, vive na “Memória do Cinema Brasileiro”, uma história repleta de substantivos e adjetivos, que qualificam o cineclubismo como uma das mais importantes atividades da cultura cinematográfica nacional, principalmente na difusão e na formação de profissionais do cinema.

Segundo Paulo César Saraceni, o Cinema Novo nasceu nos cineclubes, dentro do cineclube da FNFi (Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro). Da turma que ele frequentava saíram grandes diretores: “O Saulo Pereira de Melo, que era o presidente do cineclube, Miguel Borges, Marcos Faria”. O cineclube sempre fez parte do Movimento do Cinema Novo e foi dele que saiu a primeira turma, como afirma Maurice Capovilla: “nossa formação foi basicamente de cineclubista” (SIMONARD, 2006). No que pese a característica brasileira, o Cinema Novo teve forte influência do Neo realismo italiano e principalmente da Nouvelle Vague francesa.

 Registra-se no Brasil, já no início do século XX, em 1917, a experiência do Cineclube Paredão, na cidade do Rio de Janeiro, “com Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley, Luís Aranha, Hercolino Cascardo e Pedro Lima, na constituição de um grupo interessado em cinema, frequentando os cinemas Iris e Pátria e discutindo os filmes que viam naqueles cinemas. Conforme depoimento de Pery Ribas, "reúnem-se na casa de Álvaro Rocha, que colecionava filmes, e lá assistiam sessões como um pequeno club de cinema” (RUDÁ, Andrade, 1962).

Os cineclubes surgiram na França, por inspiração do cineasta Louis Delluc e do crítico de arte, Ricciotto Canuto, italiano radicado na França. Em 1913 aconteceu a primeira sessão acompanhada de debate após a exibição de um filme, “A Comuna de Paris”, realizado pelo do grupo do Cineclube do Povo (MACEDO, Felipe, 2013).

O Chaplin Club foi criado em 1928 na cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de defender o filme mudo em detrimento do sonoro. Editou 9 edições da revista O FAN. Em 1931 lançou o filme “Limite”, de Mário Peixoto, quando debateu e defendeu a integridade física da cópia do filme, contra a sanha do seu diretor que queria destruí-lo. Posteriormente Plínio Sussekind Rocha, empunha senha lutando durante anos no importante trabalho de recuperação do filme brasileiro.

Salvo a cópia e sem os negativos, posteriormente, Plínio Sussekind Rocha liderou uma saga em prol de recuperação do filme...”, (ISMAIL, 1978). que mesmo tendo sido exibido pouquíssimas vezes, transformou-se em mito do Cinema Brasileiro, não só pelas suas qualidades técnicas, artísticas, estéticas, linguísticas e narrativas, mas também, por ser apresentado em forma de libelo, em defesa do filme silencioso em detrimento do falado, como atesta Walter Lima Jr. (SIMONARD, 2006).

Atitude seminal foi também a do Clube de Cinema de São Paulo, fundado em 1940, quando a 07 de outubro de 1946, empreenderam a Fundação da Cinemateca Brasileira, liderados por Paulo Emílio Salles Gomes, Francisco Luiz de Almeida Salles, Rubem Biáfora, Múcio Porphyrio Ferreira, Benedito Junqueira Duarte, João de Araújo Nabuco, Lourival Gomes Machado e Tito Batini, impulsionando o meio cinematográfico em São Paulo. (CINEMATECA).

No Brasil o modelo dos Clubes de Cinema franceses permaneceu influente até meados da década de 50. Vias de regra, eles eram criados, em universidades, nos cursos de ciências humanas, tendo à frente, escritores, críticos de cinema, jornalistas, professoras, intelectuais liberais, que contribuíram decisivamente para a consolidação dos pilares do cinema nacional, cuja principal característica, foi à reflexão crítica da obra cinematográfica; a formação de profissionais da área, além da criação de instituições como as Cinematecas; Festivais e entidades da classe cinematográfica.

Posteriormente em 29 de outubro de 1956, Carlos Vieira liderou o grupo que fundou o “Centro de Cineclubes do Estado do Estado de São Paulo”, entidade convertida no primeiro órgão de representação do Movimento Cineclubista Brasileiro. O Centro realizou de 05 a 10 de fevereiro de 1959 a I Jornada de Cine-Clubes Brasileiros (O ESTADÃO, 1956), evento que a partir de 1962 passou a ser promovido pelo Conselho Nacional de Cineclubes [CNC], e assim permanece até os dias atuais.

O CNC representa o conjunto dos cineclubes brasileiros, foi fundado em 26 de maio de 1962. Em 1968, devido as suas atividades em defesa do filme nacional e da liberdade de expressão, foi fechado pela Ditadura Civil Militar instalada no país em 1964.

Sem suas entidades de representação e os cineclubes brasileiros foram reduzidos, e em todo o país, não passou de uma dúzia e mesmo sob a Ditadura Militar, em 1974, realiza-se semiclandestinamente, de 02 a 05 de fevereiro de 1974, a “VIII Jornada Nacional de Cineclubes”, na cidade de Curitiba, evento que reorganiza os cineclubes do país.

Atuando sob a Ditadura Militar, os cineclubes criaram em 1976 a Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes [DINAFILME], com dois objetivos básicos: a) garantir a existência Nacional do Movimento Cineclubista, por meio da distribuição de filmes e b) criar as condições necessárias para a implantação de um circuito alternativo de exibição de filmes majoritariamente brasileiros, condizentes com a atuação dos cineclubes [CINECLUBE, 1983].

No período que se estende de 1974 até 1989, os cineclubes se engajaram na luta mais ampla da sociedade brasileira, contra o regime ditatorial. Filmes foram proibidos, cineclubistas e projetores presos, cineclubes foram fechados, a Dinafilme foi invadida pela Polícia Federal por duas vezes em 1º de março de 1978 e 31 de agosto de 1979, mais de 200 cópias de filmes foram presas, cineclubistas editaram jornais, revistas, saíram do país levando filmes proibidos para participar de festivais e depositar em cinematecas estrangeiras para garantir sua existência, e também entraram no país com filmes realizados por coletivos de produção cinematográficas das guerrilhas de El Salvador, Nicarágua, Peru, Vietnam, Eritréia, Cuba e filmes sobre as guerras de libertação nacional de Moçambique, Angola, Palestina, entre outros, muitos daqueles filmes foram exibidos clandestinamente e posteriormente, proibidos, presos. Cineclubistas sequestraram avião, entraram para a luta armada e outros foram exilados (SANTOS, 2017).

 Além de filmes oriundos das filmografias citadas acima, as programações dos cineclubes foram fortemente contempladas pelo cinema europeu, notadamente italianos, alemães, franceses e por filmes dos países do bloco socialista, principalmente os poloneses, tchecoslovacos soviéticos e russos. A Dinafilme não distribuiu filme norte-americano proveniente de Hollyood e quando tentou, sofreu pressão de alguns cineclubes que se recusaram a exibir filmes de John Ford (CADINA, S.D.).

Naquele mesmo período, os cineclubes, através da Dinfilme lançaram e chegaram a pagar filmes produzidos pelos Movimentos Sociais para o “Mercado Alternativo”, formado pelos Cineclubes, Sindicatos, Comunidades Eclesiais de Base ligados à Igreja Católica, Movimentos Sociais, Associações Atléticas estudantis, sedimentando as bases de um Circuito Nacional de filmes fortemente identificados com o que chamávamos na época de Terceiro Mundo.

No final da década de 1979 e início da de 1980, veio a crise do petróleo, o fechamento dos cinemas de rua, o avanço e a consolidação do vídeo cassete, a redemocratização do país, a promulgação de uma nova Carta Magna, a eleição de um civil para a presidência da República e em consequências veio o refluxo dos Movimentos sociais, a queda do Muro de Berlim e o fechamento da Empresa Brasileira de Filmes – EMBRAFILME. Neste período, a liderança cineclubista de então, não conseguiu orientar a atividade cineclubista para atuar perante a nova realidade nacional e novamente os cineclubes entraram em um período de hibernação (NARRATIVA-CINECLUBISTA, 2008).

A atuação da atividade cineclubista brasileira quase sempre esteve à margem da sociedade de consumo e do aparelho estatal, sem apoio, num permanente e persistente ato de resistência as adversidades sócios culturais internas, combatendo a indiscriminada invasão do produto cinematográficos e televisivo de consumo ligeiro proveniente de Hollywood.

No Brasil, apesar de todas as contradições, os cineclubes são reconhecidos por Lei, como associações culturais, democráticas e sem finalidades lucrativas, em sua maioria, não se constituem juridicamente, basicamente por falta de apoio financeiro, tornando efêmeras suas atividades. Na sua estrutura, são representados no âmbito estadual por um único órgão, federação ou similar, prevista nos estatutos do também única, entidade nacional de representação, o Conselho Nacional de Cineclubes, membro filiado à Federação Internacional de Cineclubes.

Com a rearticulação, a questão da produção, passou a ser novo paradigma do cineclubismo brasileiros. Hoje o nome CINECLUBE virou grife, a imensa maioria dos canais de televisão abertos ou a cabo, tem uma sessão cineclube, empresas, escolas e movimentos sociais, ostentam programas com o nome cineclube, mas, entre todas as mudanças de uma sociedade que começou a vislumbrar mudanças sócio econômicas, culturais, comportamentais, impulsionadas pelas questões globais, a direção cineclubista, busca orientar os cineclubes sem considerar, que mesmo com as transformações operadas no cinema, sem o filme, a conjugação do verbo CINECLUBAR inviabiliza o ato principal do fazer cineclube.


Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista, Cineasta, Historiador, foi presidente da Federação Paulista (1981 – 82) e do Conselho Nacional de Cineclubes, 1984 – 86, Administrador Geral da Dinafilme, associado fundador do Cineclube Bixiga, fundou e editou o jornal “ImageMovimento”, a revista “CineclubeBrasil”, roteirista e diretor de cinema.




Referências Bibliográficas Consultadas

ANDRADE, Rudá – Cadernos da Cinemateca nº 1, Cronologia da Cultura cinematográfica no Brasil, São Paulo, Fundação Cinemateca Brasileira, 1962.

SANTOS, Diogo Gomes, Imagens do Imaginário, Pop-Art, Cinema e Denúncia Social, Trabalho Conclusão Disciplina, Pós-Graduação, O Papel do Documentário do Nuevo Cinema Latino-Americano, PROLAM/USP, São Paulo, 2017.

SIMONARD, Pedro, A Geração do Cinema Novo, Para uma Antropologia do Cinema, Rio de Janeiro, Mauad X, 2006.

ISMAIL, Xavier, Sétima Arte: Um Culto Moderno, pp. 201, Perspectiva, São Paulo, 1978.

Disponível em www.diogo-dossantos.blogspot.com.brAcessado em 21/08/2017.

Disponível em: <http://www.academia.edu/6409070/Cinema_do_Povo_o_primeiro_cineclube> Acessado em 21.08.2017.
 
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/pagina/a-cinemateca-historia Acessado em 21/o8/2017.

Jornal O Estadão, 28/05/1956, Documento do acervo Cineclubista Diogo Gomes dos Santos.

Boletim Cineclube, 1983, Documento do acervo Cineclubista Diogo Gomes dos Santos.

Boletim CADINA, 1982, Documento do acervo Cineclubista Diogo Gomes dos Santos.

Disponível em: 






[1] - A reorganização do Movimento Cineclubes Brasileiro, estava previsto no programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua REARTICULAÇÃO tem início em São Paulo em torno da proposta de exibição de filmes em São Paulo, proposta pelo autor e posteriormente se efetiva com a ida de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura, Orlando Senna para a Secretaria do Audiovisual e Leopoldo Nunes para chefia de Gabinete de Orlando Senna.

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