CINECLUBES BRASILEIROS, EM
RÁPIDA PANORÂMICA
“Cineclubismo é antes de tudo movimento, movimento
de gente, de ideias, de imagens e sonhos em favor da atividade
cinematográfica”. (MANIFESTO de Rearticulação, 2003)
A
memória historiográfica do Movimento Cineclubista Brasileiro, carece de melhor
organização e sistematização. Dispersa em termos bibliográficos, são parcas, carentes de pesquisa e de publicações a respeito. Depois da Segunda Rearticulação do Movimento
Cineclubista Brasileiro, ocorrida no início do século XXI, de 21 a 23 de
novembro de 2003[1], é que
começaram a surgir significativos “Trabalho de Conclusão de Curso”, “Teses de
doutorados”, livros, filmes, abordando diretamente esta atividade e sua forma
de organização, reflexão, difusão da cultura cinematográfica e do audiovisual
brasileiro.
Falando
genericamente, vive na “Memória do Cinema Brasileiro”, uma história repleta de
substantivos e adjetivos, que qualificam o cineclubismo como uma das mais importantes
atividades da cultura cinematográfica nacional, principalmente na difusão e na formação de profissionais do cinema.
Segundo
Paulo César Saraceni, o Cinema Novo nasceu nos cineclubes, dentro do cineclube
da FNFi (Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro). Da turma que ele
frequentava saíram grandes diretores: “O Saulo Pereira de Melo, que era o
presidente do cineclube, Miguel Borges, Marcos Faria”. O cineclube sempre fez
parte do Movimento do Cinema Novo e foi dele que saiu a primeira turma, como
afirma Maurice Capovilla: “nossa formação foi basicamente de cineclubista”
(SIMONARD, 2006). No que pese a característica brasileira, o Cinema Novo teve
forte influência do Neo realismo italiano e principalmente da Nouvelle Vague francesa.
Registra-se no Brasil, já no início do século
XX, em 1917, a experiência do Cineclube Paredão, na cidade do Rio de Janeiro, “com
Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley, Luís Aranha, Hercolino Cascardo
e Pedro Lima, na constituição de um grupo interessado em cinema, frequentando os cinemas
Iris e Pátria e discutindo os filmes que viam naqueles cinemas. Conforme depoimento de Pery Ribas, "reúnem-se na casa
de Álvaro Rocha, que colecionava filmes, e lá assistiam sessões como um pequeno
club de cinema” (RUDÁ, Andrade, 1962).
Os
cineclubes surgiram na França, por inspiração do cineasta Louis Delluc e do
crítico de arte, Ricciotto Canuto, italiano radicado na França. Em 1913
aconteceu a primeira sessão acompanhada de debate após a exibição de um filme,
“A Comuna de Paris”, realizado pelo do grupo do Cineclube do Povo (MACEDO,
Felipe, 2013).
O
Chaplin Club foi criado em 1928 na cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de
defender o filme mudo em detrimento do sonoro. Editou 9 edições da revista O
FAN. Em 1931 lançou o filme “Limite”, de Mário Peixoto, quando debateu e
defendeu a integridade física da cópia do filme, contra a sanha do seu diretor
que queria destruí-lo. Posteriormente Plínio Sussekind Rocha, empunha senha lutando
durante anos no importante trabalho de recuperação do filme brasileiro.
Salvo
a cópia e sem os negativos, posteriormente, Plínio Sussekind Rocha liderou uma
saga em prol de recuperação do filme...”, (ISMAIL, 1978). que mesmo tendo sido exibido
pouquíssimas vezes, transformou-se em mito do Cinema Brasileiro, não só pelas
suas qualidades técnicas, artísticas, estéticas, linguísticas e narrativas, mas
também, por ser apresentado em forma de libelo, em defesa do filme silencioso
em detrimento do falado, como atesta Walter Lima Jr. (SIMONARD, 2006).
Atitude
seminal foi também a do Clube de Cinema de São Paulo, fundado em 1940, quando a
07 de outubro de 1946, empreenderam a Fundação da Cinemateca Brasileira,
liderados por Paulo Emílio Salles Gomes, Francisco Luiz de Almeida Salles,
Rubem Biáfora, Múcio Porphyrio Ferreira, Benedito Junqueira Duarte, João de
Araújo Nabuco, Lourival Gomes Machado e Tito Batini, impulsionando o meio
cinematográfico em São Paulo. (CINEMATECA).
No
Brasil o modelo dos Clubes de Cinema franceses permaneceu influente até meados
da década de 50. Vias de regra, eles eram criados, em universidades, nos cursos de ciências
humanas, tendo à frente, escritores, críticos de cinema, jornalistas,
professoras, intelectuais liberais, que contribuíram decisivamente para a
consolidação dos pilares do cinema nacional, cuja principal característica, foi
à reflexão crítica da obra cinematográfica; a formação de profissionais da
área, além da criação de instituições como as Cinematecas; Festivais e
entidades da classe cinematográfica.
Posteriormente
em 29 de outubro de 1956, Carlos Vieira liderou o grupo que fundou o “Centro de Cineclubes do Estado do Estado de
São Paulo”, entidade convertida no primeiro órgão de representação do Movimento
Cineclubista Brasileiro. O Centro realizou de 05 a 10 de fevereiro de 1959 a I
Jornada de Cine-Clubes Brasileiros (O
ESTADÃO, 1956), evento que a partir de 1962 passou a ser promovido pelo
Conselho Nacional de Cineclubes [CNC], e assim permanece até os dias atuais.
O
CNC representa o conjunto dos cineclubes brasileiros, foi fundado em 26 de maio
de 1962. Em 1968, devido as suas atividades em defesa do filme nacional e da
liberdade de expressão, foi fechado pela Ditadura Civil Militar instalada no
país em 1964.
Sem
suas entidades de representação e os cineclubes brasileiros foram reduzidos, e em
todo o país, não passou de uma dúzia e mesmo sob a Ditadura Militar, em 1974,
realiza-se semiclandestinamente, de 02 a 05 de fevereiro de 1974, a “VIII
Jornada Nacional de Cineclubes”, na cidade de Curitiba, evento que reorganiza
os cineclubes do país.
Atuando
sob a Ditadura Militar, os cineclubes criaram em 1976 a Distribuidora Nacional
de Filmes para Cineclubes [DINAFILME], com dois objetivos básicos: a)
garantir a existência Nacional do Movimento Cineclubista, por meio da
distribuição de filmes e b) criar as condições necessárias para a implantação
de um circuito alternativo de exibição de filmes majoritariamente brasileiros,
condizentes com a atuação dos cineclubes [CINECLUBE, 1983].
No
período que se estende de 1974 até 1989, os cineclubes se engajaram na luta
mais ampla da sociedade brasileira, contra o regime ditatorial. Filmes foram
proibidos, cineclubistas e projetores presos, cineclubes foram fechados, a
Dinafilme foi invadida pela Polícia Federal por duas vezes em 1º de março de
1978 e 31 de agosto de 1979, mais de 200 cópias de filmes foram presas,
cineclubistas editaram jornais, revistas, saíram do país levando filmes
proibidos para participar de festivais e depositar em cinematecas estrangeiras
para garantir sua existência, e também entraram no país com filmes realizados
por coletivos de produção cinematográficas das guerrilhas de El Salvador,
Nicarágua, Peru, Vietnam, Eritréia, Cuba e filmes sobre as guerras de
libertação nacional de Moçambique, Angola, Palestina, entre outros, muitos daqueles
filmes foram exibidos clandestinamente e posteriormente, proibidos, presos.
Cineclubistas sequestraram avião, entraram para a luta armada e outros foram
exilados (SANTOS, 2017).
Além
de filmes oriundos das filmografias citadas acima, as programações dos
cineclubes foram fortemente contempladas pelo cinema europeu, notadamente
italianos, alemães, franceses e por filmes dos países do bloco socialista, principalmente
os poloneses, tchecoslovacos soviéticos e russos. A Dinafilme não distribuiu
filme norte-americano proveniente de Hollyood e quando tentou, sofreu pressão
de alguns cineclubes que se recusaram a exibir filmes de John Ford (CADINA,
S.D.).
Naquele
mesmo período, os cineclubes, através da Dinfilme lançaram e chegaram a pagar
filmes produzidos pelos Movimentos Sociais para o “Mercado Alternativo”, formado
pelos Cineclubes, Sindicatos, Comunidades Eclesiais de Base ligados à Igreja
Católica, Movimentos Sociais, Associações Atléticas estudantis, sedimentando as
bases de um Circuito Nacional de filmes fortemente identificados com o que
chamávamos na época de Terceiro Mundo.
No
final da década de 1979 e início da de 1980, veio a crise do petróleo, o
fechamento dos cinemas de rua, o avanço e a consolidação do vídeo cassete, a
redemocratização do país, a promulgação de uma nova Carta Magna, a eleição de
um civil para a presidência da República e em consequências veio o refluxo dos
Movimentos sociais, a queda do Muro de Berlim e o fechamento da Empresa
Brasileira de Filmes – EMBRAFILME. Neste período, a liderança cineclubista de
então, não conseguiu orientar a atividade cineclubista para atuar perante a nova
realidade nacional e novamente os cineclubes entraram em um período de
hibernação (NARRATIVA-CINECLUBISTA, 2008).
A
atuação da atividade cineclubista brasileira quase sempre esteve à margem da
sociedade de consumo e do aparelho estatal, sem apoio, num permanente e
persistente ato de resistência as adversidades sócios culturais internas, combatendo
a indiscriminada invasão do produto cinematográficos e televisivo de consumo
ligeiro proveniente de Hollywood.
No
Brasil, apesar de todas as contradições, os cineclubes são reconhecidos por Lei,
como associações culturais, democráticas e sem finalidades lucrativas, em sua
maioria, não se constituem juridicamente, basicamente por falta de apoio
financeiro, tornando efêmeras suas atividades. Na sua estrutura, são
representados no âmbito estadual por um único órgão, federação ou similar, prevista
nos estatutos do também única, entidade nacional de representação, o Conselho
Nacional de Cineclubes, membro filiado à Federação Internacional de Cineclubes.
Com
a rearticulação, a questão da produção, passou a ser novo paradigma do cineclubismo
brasileiros. Hoje o nome CINECLUBE virou grife, a imensa maioria dos canais de
televisão abertos ou a cabo, tem uma sessão cineclube, empresas, escolas e
movimentos sociais, ostentam programas com o nome cineclube, mas, entre todas
as mudanças de uma sociedade que começou a vislumbrar mudanças sócio econômicas,
culturais, comportamentais, impulsionadas pelas questões globais, a direção
cineclubista, busca orientar os cineclubes sem considerar, que mesmo com as
transformações operadas no cinema, sem o filme, a conjugação do verbo
CINECLUBAR inviabiliza o ato principal do fazer cineclube.
Diogo Gomes dos Santos
Cineclubista, Cineasta, Historiador, foi presidente da
Federação Paulista (1981 – 82) e do Conselho Nacional de Cineclubes, 1984 – 86,
Administrador Geral da Dinafilme, associado fundador do Cineclube Bixiga,
fundou e editou o jornal “ImageMovimento”, a revista “CineclubeBrasil”, roteirista
e diretor de cinema.
Referências Bibliográficas Consultadas
ANDRADE, Rudá – Cadernos da Cinemateca nº 1, Cronologia
da Cultura cinematográfica no Brasil, São Paulo, Fundação Cinemateca
Brasileira, 1962.
SANTOS, Diogo Gomes, Imagens do Imaginário, Pop-Art, Cinema e Denúncia Social,
Trabalho Conclusão Disciplina, Pós-Graduação, O Papel do Documentário do Nuevo
Cinema Latino-Americano, PROLAM/USP, São Paulo, 2017.
SIMONARD,
Pedro, A Geração do Cinema Novo, Para uma
Antropologia do Cinema, Rio de Janeiro, Mauad X, 2006.
ISMAIL, Xavier, Sétima Arte: Um Culto Moderno, pp. 201, Perspectiva, São Paulo, 1978.
Disponível em www.diogo-dossantos.blogspot.com.brAcessado em 21/08/2017.
Disponível em: <http://www.academia.edu/6409070/Cinema_do_Povo_o_primeiro_cineclube> Acessado em 21.08.2017.
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/pagina/a-cinemateca-historia Acessado em 21/o8/2017.
Jornal O Estadão, 28/05/1956, Documento do acervo Cineclubista
Diogo Gomes dos Santos.
Boletim Cineclube, 1983, Documento do acervo Cineclubista
Diogo Gomes dos Santos.
Boletim
CADINA, 1982, Documento do acervo Cineclubista Diogo Gomes dos Santos.
Disponível em:
<http://narrativa-cineclubista.blogspot.com.br/ Acessado em 21/08/2017.
[1] - A reorganização
do Movimento Cineclubes Brasileiro, estava previsto no programa de governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua REARTICULAÇÃO tem início em São Paulo
em torno da proposta de exibição de filmes em São Paulo, proposta pelo autor e
posteriormente se efetiva com a ida de Gilberto Gil para o Ministério da
Cultura, Orlando Senna para a Secretaria do Audiovisual e Leopoldo Nunes para
chefia de Gabinete de Orlando Senna.
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