segunda-feira, 4 de março de 2019

MAIS UMA VEZ, O HOMEM QUE VIROU SUCO






O Homem Que Virou Suco, é dos filmes que me causou um tremendo impacto, quando o vi pela primeira vez. Durante algum tempo nossos destinos se cruzaram e a convivência ficou ainda mais intensa, por uma questão de ofício, e por ser um dos filmes que mais assistir. Também por isso, contribuir um pouco com o êxito de sua carreira comercial. Quando foi lançado pela Embrafilme, o filme não correspondeu em termos de bilheteria, com a recepção favorabilíssima com que a crítica o recebeu.


Imediatamente o filme foi lançado em 16 mm no circuito paralelo pela Dinafilme – a Distribuidora dos Cineclubes, gerenciada na época por mim. O sucesso foi retumbante. Houve uma sessão no Lira Paulistana, numa segunda-feira chuvosa, a sala estava entupida de gente, repetimos mais umas duas ou três sessões, sempre com a sala apinhada e mais gente querendo ver o filme. Depois daquela primeira sessão, somos convencidos, António Gouveia e eu (Várias pessoas depois se juntaram a ideia), de criarmos em são Paulo, uma sala de exibição, com a cara da cidade, para privilegiar o filme brasileiro. Criamos o Cineclube Bixiga.



 No meio do sucesso que o filme vinha alcançando no circuito dos cineclubes, aconteceu o Festival de Moscou, naquele momento, um dos festivais mais importantes do mundo. Agraciado com o prêmio da crítica e a Medalha de Ouro de melhor filme do festival (1981), o filme foi relançado no circuito comercial, alcançando o merecido sucesso de bilheteria.

A exibição do Homem Que Virou Suco em Diadema, se a memória não me é falha, foi articulada pelo ator Nabor Rodrigues, que na época trabalhava em Diadema e é foi um dos atores do filme, numa participação, para mim, bastante emblemática.


Quando ocorreu a restauração do filme (2010), acho que fui a única pessoa na sessão do então Espaço Unibanco de Cinema (hoje Itaú), a perceber a ausência de uma sequência do filme. Ironicamente, aqui (neste texto motivado pela publicação do Diaulas), a cena excluída, foi interpretada pelo ator Nabor Rodrigues, no filme ele fazia o dono de uma Livraria Editora especializada na Literatura de Cordel, que possibilitou a Deraldo, personagem principal, interpretado por José Dumont, a escrever o cordel contando a vida do seu homônimo, o verdadeiro assassino do patrão.

Após a sessão, perguntei a produtora do filme, o porquê da ausência daquela sequência, já que tecnicamente a mesma se encontrava em perfeito estado de conservação técnica, disse-me a ela, completando que, quem poderia me responder era o autor do filme. O silêncio permanece.

Mesmo chateado com aquela ausência, na minha inocência cineclubista, sempre digo que a tela é o lugar de existência de um filme, é lá que os filmes e seus personagens vivem eternamente na mente de seus amantes, melhor ainda se essa tela for de um cineclube. Não sei o que seria do livro "Cem Anos de Solidão" de Gabriel Garcia Marques, se ele depois do êxito alcançado, republicasse faltando um capítulo ou o que seria da música "Disparada", regrada faltando um verso, porquê os autores Geraldo Vandré e Theo de Barros, resolveram excluir tal verso.


Chateação a parte e com a ingrata sensação de que o público, nem sempre merece de “alguns” autores o respeito que aqueles, sempre lhes atribuí, e em respeito à obra inalterada, a qual sobrevive na minha memória, escrevi um Trabalho Acadêmico para a disciplina de Pós-Graduação na USP, “A História da Arte Medieval”, onde estabeleço relações entre os vitrais góticos, o da Catedral de Notre Dame, e o fotograma cinematográfico. Tomei por referência, uma das sequências, que ao meu ver, é uma das mais completas em termos de linguagem cinematográfica do filme O Homem Que Virou Suco. Aquela em que o personagem Deraldo, procurado pela policial e sem documento, não consegue se identificar, foge. Cena noturna, começa a perseguição. Ouvem-se, sirenes, falas esparsas das pessoas e dos policiais em busca do fugitivo, sons ambiente, com uma lanterna focal, em fachos de luz são mostradas as feições das pessoas, num claro escuro, como se fossem quadros, fotos, vitrais da população periférica – brasileira -, embaladas pela música magistral de Vital Farias. 

Alain Fresnot assina a montagem do filme.



Um comentário:

Aldy Carvalho disse...

Texto elucidativo, pertinente, inquietante positivamente.