sexta-feira, 10 de janeiro de 2020




RECOMEÇAR, TUDO OUTRA VEZ


CINECLUBES BRASILEIROS ELEGEM NOVA DIRETORIA


Na cidade de Viçosa, em Minas Gerais durante os dias 24, 25, 26 e 27 de outubro de 2019, aconteceu a XXX Jornada Nacional de Cineclubes, organizada pelo Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC); Cineclube Carcará, da Universidade Federal de Viçosa; Centro Cineclubista de São Paulo (CECISP) e apoio Federação Internacional de Cineclubes (FICC), em defesa da cultura cinematográfica, como forma identitária de expressão de povo brasileiro.

Cineclubes protestaram em defesa da liberdade de expressão como direito universal, denunciando a censura contra o filme “Marighella”; os editais de produção de filmes de gênero, etnias, diante das atitudes predatórias do governo; denunciaram o Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (ECAD), contra a atividade dos cineclubes; rechaçaram o desmonte da Agência Nacional de Cinema (ANCINE); solidarizaram com a atriz Fernanda Montenegro; reafirmam Paulo Freire como patrono da educação; reivindicaram a regulamentação da Lei, que determina exibição de filmes nas escolas e cerraram fileira contra o fim da Amazônia e reafirmaram que o Cinema Brasileiro pode até sucumbir temporariamente, mas ele renascerá. Já a Amazônia...


O encontro contou com a presença de 34 cineclubes de 7 Estados e o Distrito Federal, com o objetivo de discutir pontos, indicados pela plenário da jornada anterior, ocorrida na cidade de Itaparica, na Bahia, em 2015: Cineclubismo e Educação; Acervo e Difusão; Direitos Autorais e Circuito de Exibição; Reestruturação do Movimento; Eleição da nova Diretoria Executiva e reestruturação do Estatuto, provocando mudança radical na composição da Executiva Nacional, para 7 membros, antes composta por 27 representantes, e a supressão do Conselho de Representantes, reestabelecendo o Conselho Fiscal.

No processo eletivo, pela primeira vez, em mais de um século de atividades no Brasil foi eleita, uma mulher para a presidência da entidade nacional, Terezinha Lúcia de Avelar, do Cineclube Joaquim Pedro de Andrade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e a Vice-presidência, com o imigrante chileno radicado no Brasil, Francisco Javier Lillo Biagetti, do Cineclube Imigrantes, da cidade de Goiânia, e em Goiás, configurando 3 mulheres, num total de 7 membros da Executiva Nacional, somando outra mudança significativa do estatuto, o mandato da Diretoria que passou para 4 anos, o que anteriormente eram 2, com a obrigação de realizar no mínimo uma jornada no período do mandato.



Importante salientar, que o parque exibidor brasileiro atualmente é composto por 3.100 salas de cinemas comerciais, com estimativa da existência de mais de 2.500 cineclubes espalhados pelo país, destes 450 estão filiados ao CNC, sendo 42 em situação regular, entenda-se regular, entidades regulamentadas oficialmente, com registro em órgão públicos, já que muitas atividades dessa natureza ainda acontecem informalmente, apesar da grande contribuição que representam ao movimento cineclubista e as comunidades que assistem. No Brasil, menos de 10% dos municípios tem salas de cinema. O chamado “circuito cultural ou alternativo” conta aproximadamente com 200 salas, sendo que só na cidade de São Paulo, concentra cerca de 80.

A configuração de um cineclube, segundo o quadro geral da reestruturação do Movimento Cineclubista, permanece com a proposição de 3 participantes para sua constituição e a possibilidade de mais de uma entidade de representação por Estado.

Circuito de Exibição é outro braço relevante que foi pauta amplamente discutida em plenária sobre a reestruturação, considerando atender necessidades básicas de cineastas e produtores, que quando suas obras forem exibidas nesse circuito, sejam registrados dados sobre o filme, apreciação do público, já que à prática cineclubista matem o debate após a exibição, no sentido de aproximar a obra com o público.



Outra meta foi reaproximar os cineclubes das instâncias representativas (ANCINE, CINEMATECAS ABD, APCE, ABRACE, CPB, CSC) do Cinema Brasileiro, e a retomada de um prêmio do CNC, em forma de troféu, a ser outorgado a filmes e personalidades do audiovisual brasileiro, com a mesma proposta e relevância de prêmios oferecidos por diversos festivais brasileiros, lembrando que o movimento cineclubista já contemplou personalidades com troféus de sua criação, que homenageia o cineclubista baiano, Luiz Orlando da Silva.

Reforçar a campanha de filiação dos cineclubes à entidade nacional, estimular a reorganização das entidades estaduais e principalmente, o retorno dos cineclubes a cena cultural do país, é um desejo permanente do movimento, que foi manifestado durante a jornada, na esperança, que medidas propostas e debatidas nos 4 dias possam fortalecer as entidades envolvidas, bem como o cinema nacional e a cultura audiovisual brasileira.

Apesar da ignorância, prepotência e da barbárie que se abateu sobre a sociedade brasileira, a persistente tentativa do governo em desmontar a indústria do audiovisual nacional, de criminalizar as manifestações identitária do povo, em especial, a imagem do país, manifesta nos filmes, os cineclubes decidiram denunciar também, a “censura” velada a certas obras, a exemplo do adiamento do lançamento do filme “Marighella”, 2019, de Wagner Moura, a suspensão de editais de temáticas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais (LGTBI), além da agressão à atriz Fernanda Montenegro, considera a grande dama do cinema nacional, com inúmeros prêmios nacionais e internacionais pela sua atuação.



Adjacente foi denunciado à ação PREDATÓRIA do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (ECAD), que vem constrangendo as atividades dos cineclubes, que são garantidas pela Lei 5536, de 21 de novembro de 1968, em seu Art 5º., parágrafo único, e pela Instrução Normativa 63, Art. 3., de 2 de outubro de 2007, da ANCINE, que estabelecem que os cineclubes são entidades sem fins lucrativos, e garante aos mesmos o direito de cobrar taxa de manutenção (não ingresso),  na prática ECAD vem cobrando, multando e até provocando o setor público a fechar cineclubes, caso ocorrido com o “Cineclube Capote”, na cidade de Guarulhos, em São Paulo, como se fossem instituições comerciais.

Assunto polêmico e relevante desde a primeira Jornada ocorrida em 1959 é o vínculo entre educação e cinema, afinal educação e cultura andam de mãos dadas no processo democrático de qualquer nação, arte é disciplina integrante do currículo de qualquer escola brasileira, parafraseando Fernanda Montenegro, “sem arte, um país não tem caráter”, é sine qua non regulamentar a Lei 13.006, que acrescenta § 8º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica.  O parágrafo 8º determina a exibição de filmes de produção nacional que constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. ”, assinada em 26 de junho de 2014, pela então presidenta Dilma Rousseff.

Os cineclubistas entendem que o filme é mais que um complemento ou elemento ilustrativo em sala de aula, deve ser bibliografia, tal como qualquer livro e deve nesse processo de regulamentação ter esse tratamento, mesmo porque traz em seu DNA o sujeito brasileiro como personagem histórico de seu tempo.



Falando em história, reza a lenda, que em toda plenária final das jornadas, moções de todos credos, podem ser aprovados, como expediente, na qual os cineclubistas se manifestam sobre os mais variados temas e assuntos, que estão sintonizados com a sociedade e seus acontecimentos cotidianos. Neste sentido foi aprovada a moção ao filme do nordeste brasileiro, Bacurau, 2019, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que vem provocado reflexões das mais variadas, nos mais diversos segmentos sociais. A moção tece considerações em torno da personagem coletiva, pois nessa narrativa a personagem individual é substituída pelo conjunto de personagens, na qual a ação se fragmentada, e a narrativa se desenvolve a partir de vários personagens, animados por uma só vontade: defender o território de um eminente ataque contra sua população, essa possibilidade de direção normalmente é ausente no cinema, por predileção de protagonistas individuais, e a consagrada trajetória do herói, colocando nas mãos de um único indivíduo a solução da trama, contudo em Bacurau a capacidade do filme releva discutir um Brasil tão “ser tão”, tão sertanejo, por sua tenacidade em expurgar, simbolicamente a figura do colonizador, da distópica sociedade brasileira, no que pese nossa constatação de que, nem por meio da arte, o brasileiro é capaz de punir políticos corruptos, com a pena capital.


SOBRE A IDENTIDADE VISUAL DA JORNADA

A XXX Jornada de Cineclubes em seu projeto de identidade visual homenageia vários personagens da história do movimento cineclubista brasileiro, valendo lembrar, que foram 30 anos de lutas, encontros, debates e celebrações desse movimento cultural e social, que tem no objeto fílmico seu mote, demonstrando a importância dessa ação, poucos eventos tiveram uma trajetória dessa magnitude, com reconhecimento em nível de leis federais. O Festival de Cinema de Gramado, um dos principais do gênero no país, apesar das suas 46 edições, somente em 1973 foi oficializado pelo Instituto Nacional de Cinema (INC), em sua 20ª edição, em 1992, ou seja, 27 anos, ampliou sua demanda para filmes de origem latinas, enquanto nesse período as jornadas de cineclubes já se faziam presentes criando e apoiando vários festivais do país.

Homenagear sempre foi natural entre os cineclubistas, e em data tão significativa, 3 décadas de jornada, não poderia ser diferente. A imagem que definiu o encontro foi uma visita a obra da artista Tarsila do Amaral, “Operários”, de 1933, que dá rosto aos trabalhadores, por meio de alguns artistas ícones do movimento modernismo brasileiro. O cartaz, folder e peças gráficas da jornada também selecionou 30 rostos significativos nomes do movimento cineclubista brasileiro (in memoriam), desde sua primeira manifestação em 1959, até os dias atuais (60 anos de cineclubismo), como forma de registrar e ratificar a força do trabalho de inúmeros cineclubistas do pais, são eles: Adhemar Gonzaga, Alex Viany, Álvaro Machado, António Gouveia Jr.,  Arquimedes Lombardi, Arthur Leandro, Beto Leão, Benê Silva, Cosme Alves Neto, Décio de Almeida Prado, Elmar Soares Oliveira, Eusélio Oliveira, Glauber Rocha, Gustavo Dhall, Hilda Machado, Ilka Laurito, Jorge Conceição, Leon Hirszman, Lourival Machado, Luiz Orlando da Silva, Lyonel Lucini, Marcos Farias, Maurice Lègeard, Neide Castanha, Paulo César Saraceni, Paulo Emílio Salles Gomes, Plínio Susseking Rocha, Rudá de Andrade, Vinícius de Morais e Walter da Silveira.



Imagem utilizada nas peças gráficas da Jornada de Cineclubes, criação de Joseane Alfer

A opção em homenagear personalidades é inicialmente o reconhecimento dos indivíduos que contribuíram com o movimento cineclubista no Brasil, segundo é ratificar o envolvimento e dedicação destes ativistas, que foram determinantes, cuja permanência até hoje, mantém vivo o cineclubismo no país e finalmente o trabalho coletivo ao longo da trajetória cineclubista, marca desse movimento nacional.

Evidente que nesse recorte alguns rostos/nomes não foram contemplados, mas a proposta foi uma amostragem representativa da força de homens e mulheres que atuam no universo do cineclubismo e da cultura cinematográfica brasileira. Vale lembra o slogan popular,   do filósofo chinês Confúcio: “Uma imagem vale mais que mil palavras”, os rostos impressos nos materiais gráficos da XXX Jornada Nacional de Cineclubes dizem, ou melhor, traduzem mais que alguns discursos, são rostos que nos encaram, nos questionam, contudo 2 personagens estão de perfil olhando para esquerda, mas precisamente para uma câmera 35mm, resinificando o fazer dos cineastas que começaram nos cineclubes, e dois personagens que olham pra direita, um carrega uma película nos ombros e o outro, pensativo, como forma de representar o peso que a atividade artista simboliza na sociedade, mas é notório que todos, em seu olhar, nos convidam a     refletir.



Diogo Gomes dos Santos
Cineclubistas, Cineasta, Historiador e Mestrando em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo

Joseane Alfer
Mestre e Doutoranda em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo


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