RECOMEÇAR,
TUDO OUTRA VEZ
CINECLUBES BRASILEIROS ELEGEM NOVA DIRETORIA
Na cidade de Viçosa, em Minas Gerais durante
os dias 24, 25, 26 e 27 de outubro de 2019, aconteceu a XXX Jornada Nacional de
Cineclubes, organizada pelo Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC);
Cineclube Carcará, da Universidade Federal de Viçosa; Centro Cineclubista de
São Paulo (CECISP) e apoio Federação Internacional de Cineclubes (FICC), em defesa
da cultura cinematográfica, como forma identitária de expressão de povo
brasileiro.
Cineclubes protestaram em defesa da
liberdade de expressão como direito universal, denunciando a censura contra o
filme “Marighella”; os editais de produção de filmes de gênero, etnias, diante
das atitudes predatórias do governo; denunciaram o Escritório de Arrecadação e
Distribuição de Direitos Autorais (ECAD), contra a atividade dos cineclubes;
rechaçaram o desmonte da Agência Nacional de Cinema (ANCINE); solidarizaram com
a atriz Fernanda Montenegro; reafirmam Paulo Freire como patrono da educação; reivindicaram
a regulamentação da Lei, que determina exibição de filmes nas escolas e
cerraram fileira contra o fim da Amazônia e reafirmaram que o Cinema Brasileiro
pode até sucumbir temporariamente, mas ele renascerá. Já a Amazônia...
O encontro contou com a presença de 34
cineclubes de 7 Estados e o Distrito Federal, com o objetivo de discutir pontos,
indicados pela plenário da jornada anterior, ocorrida na cidade de Itaparica, na
Bahia, em 2015: Cineclubismo e Educação; Acervo e Difusão; Direitos Autorais e
Circuito de Exibição; Reestruturação do Movimento; Eleição da nova Diretoria
Executiva e reestruturação do Estatuto, provocando mudança radical na
composição da Executiva Nacional, para 7 membros, antes composta por 27
representantes, e a supressão do Conselho de Representantes, reestabelecendo o
Conselho Fiscal.
No processo eletivo,
pela primeira vez, em mais de um século de atividades no Brasil foi eleita, uma
mulher para a presidência da entidade nacional, Terezinha Lúcia de Avelar, do
Cineclube Joaquim Pedro de Andrade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e a
Vice-presidência, com o imigrante chileno radicado no Brasil, Francisco Javier
Lillo Biagetti, do Cineclube Imigrantes, da cidade de Goiânia, e em Goiás, configurando
3 mulheres, num total de 7 membros da Executiva Nacional, somando outra mudança
significativa do estatuto, o mandato da Diretoria que passou para 4 anos, o que
anteriormente eram 2, com a obrigação de realizar no mínimo uma jornada no
período do mandato.
Importante salientar, que o parque exibidor
brasileiro atualmente é composto por 3.100 salas de cinemas comerciais, com
estimativa da existência de mais de 2.500 cineclubes espalhados pelo país, destes
450 estão filiados ao CNC, sendo 42
em situação regular, entenda-se regular, entidades regulamentadas oficialmente,
com registro em órgão públicos, já que muitas atividades dessa natureza ainda
acontecem informalmente, apesar da grande contribuição que representam ao
movimento cineclubista e as comunidades que assistem. No Brasil, menos de 10%
dos municípios tem salas de cinema. O chamado “circuito cultural ou
alternativo” conta aproximadamente com 200 salas, sendo que só na cidade de São
Paulo, concentra cerca de 80.
A configuração de um cineclube, segundo o
quadro geral da reestruturação do Movimento Cineclubista, permanece com a
proposição de 3 participantes para sua constituição e a possibilidade de mais
de uma entidade de representação por Estado.
Circuito de Exibição é outro braço relevante
que foi pauta amplamente discutida em plenária sobre a reestruturação, considerando
atender necessidades básicas de cineastas e produtores, que quando suas obras
forem exibidas nesse circuito, sejam registrados dados sobre o filme,
apreciação do público, já que à prática cineclubista matem o debate após a
exibição, no sentido de aproximar a obra com o público.
Outra meta foi reaproximar os cineclubes das
instâncias representativas (ANCINE, CINEMATECAS ABD, APCE, ABRACE, CPB, CSC) do
Cinema Brasileiro, e a retomada de um prêmio do CNC, em forma de troféu, a ser
outorgado a filmes e personalidades do audiovisual brasileiro, com a mesma
proposta e relevância de prêmios oferecidos por diversos festivais brasileiros,
lembrando que o movimento cineclubista já contemplou personalidades com troféus
de sua criação, que homenageia o cineclubista baiano, Luiz Orlando da Silva.
Reforçar a campanha de filiação dos
cineclubes à entidade nacional, estimular a reorganização das entidades
estaduais e principalmente, o retorno dos cineclubes a cena cultural do país, é
um desejo permanente do movimento, que foi manifestado durante a jornada, na
esperança, que medidas propostas e debatidas nos 4 dias possam fortalecer as
entidades envolvidas, bem como o cinema nacional e a cultura audiovisual brasileira.
Apesar da ignorância, prepotência e da
barbárie que se abateu sobre a sociedade brasileira, a persistente tentativa do
governo em desmontar a indústria do audiovisual nacional, de criminalizar as
manifestações identitária do povo, em especial, a imagem do país, manifesta nos
filmes, os cineclubes decidiram denunciar também, a “censura” velada a certas
obras, a exemplo do adiamento do lançamento do filme “Marighella”, 2019, de
Wagner Moura, a suspensão de editais de temáticas Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais (LGTBI),
além da agressão à atriz Fernanda Montenegro, considera a grande dama do cinema
nacional, com inúmeros prêmios nacionais e internacionais pela sua atuação.
Adjacente foi denunciado à ação PREDATÓRIA
do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (ECAD), que
vem constrangendo as atividades dos cineclubes, que são garantidas pela Lei
5536, de 21 de novembro de 1968, em seu Art 5º., parágrafo único, e pela Instrução
Normativa 63, Art. 3., de 2 de outubro de 2007, da ANCINE, que estabelecem que
os cineclubes são entidades sem fins lucrativos, e garante aos mesmos o direito
de cobrar taxa de manutenção (não ingresso),
na prática ECAD vem cobrando, multando e até provocando o setor público
a fechar cineclubes, caso ocorrido com o “Cineclube Capote”, na cidade de
Guarulhos, em São Paulo, como se fossem instituições comerciais.
Assunto polêmico e relevante desde a
primeira Jornada ocorrida em 1959 é o vínculo entre educação e cinema, afinal
educação e cultura andam de mãos dadas no processo democrático de qualquer
nação, arte é disciplina integrante do currículo de qualquer escola brasileira,
parafraseando Fernanda Montenegro, “sem arte, um país não tem caráter”, é sine qua non regulamentar a Lei 13.006,
que acrescenta § 8º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição
de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. O parágrafo 8º determina a
exibição de filmes de produção nacional que constituirá componente curricular
complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição
obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. ”, assinada em 26 de junho
de 2014, pela então presidenta Dilma Rousseff.
Os cineclubistas entendem
que o filme é mais que um complemento ou elemento ilustrativo em sala de aula,
deve ser bibliografia, tal como qualquer livro e deve nesse processo de
regulamentação ter esse tratamento, mesmo porque traz em seu DNA o sujeito
brasileiro como personagem histórico de seu tempo.
Falando em história, reza a lenda, que em
toda plenária final das jornadas, moções de todos credos, podem ser aprovados, como
expediente, na qual os cineclubistas se manifestam sobre os mais variados temas
e assuntos, que estão sintonizados com a sociedade e seus acontecimentos
cotidianos. Neste sentido foi aprovada a moção ao filme do nordeste brasileiro,
Bacurau, 2019, de Kleber Mendonça Filho e
Juliano Dornelles, que vem provocado reflexões das mais variadas, nos mais
diversos segmentos sociais. A moção tece considerações em torno da personagem
coletiva, pois nessa narrativa a personagem individual
é substituída pelo conjunto de personagens, na qual a ação se fragmentada, e a
narrativa se desenvolve a partir de vários personagens, animados por uma só
vontade: defender o território de um eminente ataque contra sua população, essa
possibilidade de direção normalmente é ausente no cinema, por predileção
de protagonistas individuais, e a consagrada trajetória do herói, colocando nas
mãos de um único indivíduo a solução da trama, contudo em Bacurau a capacidade
do filme releva discutir um Brasil tão “ser
tão”, tão sertanejo, por sua tenacidade em expurgar, simbolicamente a figura do
colonizador, da distópica sociedade brasileira, no que pese nossa constatação
de que, nem por meio da arte, o brasileiro é capaz de punir políticos corruptos,
com a pena capital.
SOBRE
A IDENTIDADE VISUAL DA JORNADA
A XXX Jornada de Cineclubes em seu projeto
de identidade visual homenageia vários personagens da história do movimento
cineclubista brasileiro, valendo lembrar, que foram 30 anos de lutas,
encontros, debates e celebrações desse movimento cultural e social, que tem no
objeto fílmico seu mote, demonstrando a importância dessa ação, poucos eventos
tiveram uma trajetória dessa magnitude, com reconhecimento em nível de leis
federais. O Festival de Cinema de Gramado, um dos principais do gênero no país,
apesar das suas 46 edições, somente em 1973 foi oficializado pelo Instituto Nacional
de Cinema (INC), em sua 20ª edição, em 1992, ou seja, 27 anos, ampliou sua
demanda para filmes de origem latinas, enquanto nesse período as jornadas de
cineclubes já se faziam presentes criando e apoiando vários festivais do país.
Homenagear sempre foi natural entre os
cineclubistas, e em data tão significativa, 3 décadas de jornada, não poderia
ser diferente. A imagem que definiu o encontro foi uma visita a obra da artista
Tarsila do Amaral, “Operários”, de 1933, que dá rosto aos trabalhadores, por
meio de alguns artistas ícones do movimento modernismo brasileiro. O cartaz,
folder e peças gráficas da jornada também selecionou 30 rostos significativos nomes
do movimento cineclubista brasileiro (in
memoriam), desde sua primeira manifestação em 1959, até os dias atuais (60
anos de cineclubismo), como forma de registrar e ratificar a força do trabalho
de inúmeros cineclubistas do pais, são eles: Adhemar Gonzaga, Alex Viany,
Álvaro Machado, António Gouveia Jr.,
Arquimedes Lombardi, Arthur Leandro, Beto Leão, Benê Silva, Cosme Alves
Neto, Décio de Almeida Prado, Elmar Soares Oliveira, Eusélio Oliveira, Glauber
Rocha, Gustavo Dhall, Hilda Machado, Ilka Laurito, Jorge Conceição, Leon
Hirszman, Lourival Machado, Luiz Orlando da Silva, Lyonel Lucini, Marcos
Farias, Maurice Lègeard, Neide Castanha, Paulo César Saraceni, Paulo Emílio
Salles Gomes, Plínio Susseking Rocha, Rudá de Andrade, Vinícius de Morais e
Walter da Silveira.
Imagem utilizada nas peças gráficas da Jornada de
Cineclubes, criação de Joseane Alfer
A opção em homenagear personalidades é inicialmente
o reconhecimento dos indivíduos que contribuíram com o movimento cineclubista
no Brasil, segundo é ratificar o envolvimento e dedicação destes ativistas, que
foram determinantes, cuja permanência até hoje, mantém vivo o cineclubismo no
país e finalmente o trabalho coletivo ao longo da trajetória cineclubista,
marca desse movimento nacional.
Evidente que nesse recorte alguns
rostos/nomes não foram contemplados, mas a proposta foi uma amostragem representativa
da força de homens e mulheres que atuam no universo do cineclubismo e da
cultura cinematográfica brasileira. Vale lembra o slogan popular, do filósofo chinês Confúcio:
“Uma imagem vale mais que mil palavras”, os
rostos impressos nos materiais gráficos da XXX Jornada Nacional de Cineclubes
dizem, ou melhor, traduzem mais que alguns discursos, são rostos que nos
encaram, nos questionam, contudo 2 personagens estão de perfil olhando para
esquerda, mas precisamente para uma câmera 35mm, resinificando o fazer dos
cineastas que começaram nos cineclubes, e dois personagens que olham pra
direita, um carrega uma película nos ombros e o outro, pensativo, como forma de
representar o peso que a atividade artista simboliza na sociedade, mas é
notório que todos, em seu olhar, nos convidam a refletir.
Diogo Gomes dos
Santos
Cineclubistas,
Cineasta, Historiador e Mestrando em Estética e História da Arte pela
Universidade de São Paulo
Joseane Alfer
Mestre
e Doutoranda em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário